Democracia econômica: se não agora, quando?

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Autor(es): Alessandra Nilo

A semana da 68ª Assembleia da ONU reúne as maiores autoridades mundiais em Nova York. Todos com agendas próprias, mas também com a responsabilidade coletiva de rever os oito Objetivos do Milênio, definidos em 2000, e pavimentar o caminho para novos objetivos estratégicos de desenvolvimento sustentável, compromisso que assumiram na Rio+20.

O Brasil se destaca entre as economias emergentes, por ter consolidado uma política internacional marcada por parcerias Sul-Sul, pela defesa da democracia e dos direitos humanos e pelo combate à pobreza — marca registrada do governo Lula que permanece. Mas, enquanto a política externa avança e cumpre seu papel, é impossível não pensar na enorme tarefa de casa que ainda temos a cumprir.

O país avançou no combate à pobreza, é fato. Mas continua um dos mais desiguais do mundo e, portanto, ainda em débito com parte expressiva da população. Nada menos que 86,53% dos brasileiros se espremem em cidades semi-colapsadas, cinco das quais apresentam a pior distribuição de renda da América Latina: Goiânia, Fortaleza, Belo Horizonte, Brasília e Curitiba.

Na ONU, um dos grandes debates para o futuro é acabar com as inequidades. Há dias explico para pessoas boquiabertas com as notícias brasileiras que essa percepção de que vivemos num país desigual levou milhares de pessoas às ruas de todo o país. Com tanta propaganda externa, fica difícil explicar, mas a intensificação recente das atividades prova a importância da intervenção popular nos assuntos da política.

Passado o agito inicial, o desafio agora é pensar a democratização das políticas econômicas, que devem estimular a produção e as atividades sustentáveis que beneficiem o conjunto da população. Reformar o modelo econômico é tão estrutural quanto reformar a política, e somente essa ação combinada trará equidade ao Brasil, país dividido entre quem tem e quem não tem acesso a direitos, e em que boa parte dos recursos para garantir serviços públicos de qualidade são mal geridos ou sonegados em jurisdições secretas. Lavagem de dinheiro das drogas, comércio ilegal de armas e corrupção já somam US$ 520 bilhões, cerca de 25% do PIB brasileiro.

Democratizar a economia vai exigir redistribuir a riqueza, tocar a reforma tributária e repensar a arrecadação fiscal do país — quem tem mais precisa contribuir mais. Mas não só. É preciso muita vontade política para questionar os lucros recordes dos bancos, evitar a maquiagem dos dados financeiros, fazer crescer a indústria nacional e diversificar a pauta de exportação, hoje majoritariamente primária.

Há que se erradicar a apropriação do orçamento público pelo privado (modelo que se consolida há séculos) e também erradicar os cartéis consolidados em setores estratégicos — finanças, alimentos, telecomunicações, energia e transporte, só para citar alguns. A lista do dever de casa é grande e inclui ampliar estratégias como a reforma agrária e o estímulo à agricultura familiar, pautas que precisam ter força na agenda governamental que, vide Belo Monte ou a indústria da seca em Pernambuco, têm priorizado grandes corporações, monoculturas, matrizes energéticas ultrapassadas e poluidoras.

Crescimento centrado em petróleo e cimento, não nas pessoas, não nos trará desenvolvimento. É preciso fazer a relação entre a economia, o social e o meio ambiente, sem nos pautarmos apenas pelas macroestatísticas ou pelos marqueteiros de plantão.

Democratizar a economia será ainda desconstruir o economês e acabar com a distância entre os números no papel e a realidade. Deselitizar discursos e aceitar que pessoas mais pobres entendem, sim, o impacto da volatilidade do preço dos alimentos e da mudança climática sobre suas vidas. Mas essa tarefa exigirá que o Brasil reveja suas prioridades. Nosso crescimento econômico não significou nem vai facilmente transformar-se em desenvolvimento humano e sustentável sem que esteja na ordem do dia a revisão da gestão da produção, distribuição e consumo de bens e serviços.

Ideias e projetos já existem — consistentes propostas foram construídas por diferentes movimentos sociais e em articulação direta com o próprio governo. Chegou o momento de tirá-las do papel e razões não faltam para isso. Os gritos nas ruas que o digam, melhor que eu.