Governo adia pagamento a programas sociais para garantir resultado fiscal, diz ONG

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O governo represou pagamentos destinados a programas como o Minha Casa Minha Vida (MCMV) e o Pronaf, voltado para agricultura familiar, para garantir a realização do superávit primário – economia para o pagamento de juros da dívida pública – de 2013. Isso é o que mostra levantamento feito pela ONG Contas Abertas junto ao Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi). Segundo a pesquisa, os restos a pagar processados – gastos que foram reconhecidos em 2013, mas cujo pagamento foi postergado para 2014 – subiram fortemente e somaram R$ 51,3 bilhões. Em 2012, esse valor foi de R$ 26,3 bilhões.
Segundo o secretário-geral do Contas Abertas, Gil Castello Branco, tradicionalmente, os restos a pagar processados ficam em torno de R$ 20 bilhões, mas quase dobraram no fim do ano. Para ele, a alta indica que a equipe econômica deixou para 2014 o pagamento de despesas que ocorreram em 2013 para ajudar no esforço fiscal. Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o superávit primário realizado pelo governo central (que reúne Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) foi de R$ 75 bilhões, acima do compromisso de R$ 73 bilhões.
– Isso é uma maquiagem contábil que faz parte da família da contabilidade criativa – afirmou Castello Branco.
De acordo com levantamento no Siafi, as ações mais impactadas pelo adiamento de gastos foram equalizações de juros ao setor agrícola e subsídios para a compra de imóveis do Minha Casa Minha Vida. Do total de R$ 51,3 bilhões de restos a pagar processados, mais de R$ 10 bilhões se referem ao Ministério da Fazenda. Deste total, cerca de R$ 7 bilhões são recursos que deveriam ter sido usados pelo Tesouro para equalizar taxas de juros no crédito rural no ano passado.
Efeito para empresas e bancos
A segunda pasta mais impactada foi o Ministério das Cidades, com restos a pagar processados no valor de quase R$ 5 bilhões. Neste caso, a maior parte da contenção dos desembolsos ocorreu no Minha Casa Minha Vida.
Segundo Castello Branco, é natural que exista uma conta de restos a pagar processados todo ano. Ela reflete atrasos que possam ter ocorrido na fiscalização de um programa ou obra pública que precisa ser feita antes do pagamento. Mas chamou a atenção o aumento de R$ 25 bilhões de um ano para outro justamente no momento em que o governo encontrava dificuldades para cumprir o superávit primário.
Ele lembrou que a manobra é ruim porque atrasa o repasse de recursos para empresas privadas que executaram obras e para bancos públicos, como a Caixa, responsável pelo MCMV, e o Banco do Brasil, maior operador do crédito rural no país. Além disso, o governo acabou comprometendo o orçamento de 2014 com despesas passadas.
O total dos restos a pagar – considerando processados e não processados – ficou em R$ 232 bilhões, segundo a ONG. No exercício anterior, o número era de R$ 176,6 bilhões.
Procurado, o Tesouro informou que não houve atraso no pagamento de equalizações de juros da agricultura familiar ou para subsídios ao MCMV. “Para todas as despesas do governo federal, as liberações de recursos obedecem ao cronograma da programação financeira estabelecido no Decreto de Programação Orçamentária e Financeira”, informou a secretaria. Os técnicos, porém, não deram explicação para o aumento na conta de restos a pagar processados.