Marcus Aucélio, o ‘alquimista’ do Tesouro

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Autor(es): Por Edna Simão | De Brasília

Com perfil parecido com o do chefe, o subsecretário Aucélio é discreto

O secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin – hoje um dos colaboradores mais próximos da presidente Dilma Rousseff – deve parte do seu prestígio no Palácio do Planalto a um seleto grupo de técnicos responsáveis por garantir o cumprimento das decisões da presidente. Com estilo centralizador e extremamente reservado, o secretário confia em pouquíssimas pessoas. O principal nome na sua equipe é Marcus Pereira Aucélio, o subsecretário de Política Fiscal.

Com perfil parecido com o do chefe, Aucélio é discreto. Ele é o tipo de assessor que pode entrar e sair de uma reunião sem sequer ser notado pelos demais presentes. Não à toa, tem sido o funcionário mais demandado pelo secretário para ajudar na montagem de uma contabilidade engenhosa das contas públicas. Foi a criatividade desse grupo comandado por Aucélio que permitiu ao governo alcançar a meta fiscal fixada para 2012, mesmo sem ter de fato ocorrido uma redução de gastos ou um aumento de receitas.

Ele tem sido o operador ideal para que Arno possa atender às demandas da presidente. Enquanto o ex-secretário-executivo do ministério, Nelson Barbosa, defendia que não haveria problemas se o governo não atingisse a meta num ano de crise e baixo crescimento, como 2012, Arno sustentou, junto à Dilma, de quem é amigo desde os tempos de Porto Alegre, que era possível cumprir a meta. Mesmo quando ninguém mais, dentro e fora do governo, acreditava, Arno prosseguiu no discurso fiscalista até que, no dia 29 de dezembro, admitiu que não dava. Era preciso fazer algo para não cair na ilegalidade. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) determina que a União compense, com um superávit maior, a frustração da meta que caberia aos Estados e municípios.

Para superar o problema colocado às vésperas do feriado de fim de ano, foi elaborado todo um malabarismo financeiro que envolveu antecipação de pagamento de dividendos de empresas estatais federais, principalmente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Caixa Econômica Federal, e capitalizações por meio de troca de ações entre as empresas públicas, sem contar o uso dos recursos do Fundo Soberano do Brasil.

Situação semelhante já havia ocorrido em 2010, quando foi assegurado o cumprimento da meta de superávit primário por meio da operação de capitalização da Petrobras. Na ocasião, o Tesouro repassou R$ 42,9 bilhões como cessão onerosa à estatal, que devolveu R$ 74,8 bilhões, que pertenciam à participação da União na companhia. A diferença (R$ 31,8 bilhões) inflou as receitas do governo contribuindo para o ajuste fiscal.

Para os colegas, Aucélio é um mero cumpridor de tarefas e não faz uma avaliação crítica sobre as consequências das providências que toma. Formado em engenharia florestal pela Universidade de Brasília (UnB), 46 anos, ele não é um formulador da política fiscal do governo. Desde 1994, é analista de finanças e controle do Tesouro Nacional. Nesse período, fez especialização em Finanças pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC), em 1997, e pós-graduação em Economia do Setor Público pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em 2000.

No início de 2012, Aucélio foi alvo de matérias publicadas pelo “Correio Braziliense” por ter um megassalário de R$ 51 mil mensais, quase o dobro do teto do funcionalismo, de R$ 26.723,13 na ocasião. O valor era inflado porque ele participava de dois conselhos – Petrobras e AES – e do Comitê de Auditoria do Banco de Brasília (BRB). Um decreto presidencial determina que os representantes da União nessas companhias só podem receber por, no máximo, dois conselhos. Após a divulgação, a situação mudou e, segundo informações do Portal da Transparência da Controladoria Geral da União (CGU), a remuneração total do subsecretário do Tesouro em abril foi de R$ 26,9 mil, sendo R$ 17, 5 mil referente a salário já com deduções, R$ 807 de verbas indenizatórias e R$ 8,5 mil de jeton recebido da Petrobras Transporte – Transpetro.

Aucélio ganhou maior espaço e notoriedade em janeiro de 2007, quando foi nomeado subsecretário do Tesouro. Antes disso, exerceu os cargos de assessor, respondendo pela área de Riscos Operacionais, foi coordenador-geral de gerenciamento de Fundos e Operações Fiscais e de Administração da Dívida Pública. Por ter passado por essas funções, tornou-se um exímio conhecedor dos meandros da burocracia da máquina pública, o que veio a facilitar o cumprimento das determinações de seus superiores sem descumprir a legislação brasileira.

Na subsecretaria de Política Fiscal, Aucélio acompanha de perto áreas estratégicas como as participações acionárias da União nas empresas públicas federais, as operações de crédito com o Tesouro Nacional, de gerenciamento de fundos como Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS) e Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), além da programação financeira.

O FGTS, por exemplo, foi uma fonte de receitas para ajudar o Tesouro fechar as contas no ano passado, quando a União deixou de transferir à Caixa uma receita de R$ 2,96 bilhões relativa à multa adicional paga por empresas que demitem trabalhadores sem justa causa. A lei em vigor diz que esses recursos devem ser incorporados ao FGTS. Sem o repasse, o valor é contabilizado como dívida do Tesouro junto ao fundo.

Outra fonte significativa de dinheiro foram as estatais. Sob o argumento de repasses de dividendos, as empresas federais deram algo em torno de R$ 29 bilhões para o Tesouro fechar as contas em 2012. Isso foi possível mediante a capitalização feita com troca de ações das estatais.

O estrago só foi minimizado porque a situação do país não era das piores em um mundo em profunda crise. Esse, aliás, era o argumento dos que defendiam que se evitassem manobras de última hora e que o governo assumisse publicamente que perseguiria uma meta menor.

Arno, porém, foi contra. Uma das preocupações era que o não cumprimento da meta fiscal de 2012 servisse de justificativa para o Banco Central entrar 2013 elevando os juros. Apesar dos esforços do secretário do Tesouro, a Selic subiu em março, de 7,25% para 7,5% ao ano.

Com experiência numa área sensível e depositário da confiança do secretário do Tesouro, Aucélio se tornou, na gestão de Augustin, o homem certo no lugar certo para proceder alquimias. Procurado pelo Valor, Marcus Aucélio disse que só falaria se autorizado pelos seus superiores, o que não ocorreu.