Reforma administrativa ameaça funções essenciais do Estado

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Com o início das discussões no Congresso Nacional acerca da nova reforma administrativa, é hora de começar a chamar a atenção de todos para o que pode acontecer com a prestação de serviços públicos ao cidadão brasileiro.

Mesmo que seja debatida nos ambientes políticos convencionais, como manda a norma democrática, a reforma passará ao largo das atenções da sociedade. Pior: ela será apresentada pela grande imprensa como um remédio contra ineficiências, em reportagens e programas que omitirão os riscos e problemas que virão com ela.

Assim, chegou o momento em que precisamos colocar publicamente certas informações e análises a fim de apontar aquilo que poderá acontecer caso as tendências da reforma se confirmem. Há poucos dias, no Congresso Nacional, pudemos entender por onde caminham as intenções dos parlamentares em relação às propostas para o serviço público.

Na audiência em que diversos representantes sindicais do serviço público participaram, foi prometido que a estabilidade do servidor não sofrerá alterações. Porém, tudo indica que haverá uma abertura sem precedentes à contratação de terceirizados e temporários para funções de Estado. A tal ponto que, talvez, estejamos diante de uma privatização não declarada da função pública, caso a reforma confirme de fato esta possibilidade.

O que isto significa

É importante colocar em termos concretos para a sociedade o que significaria a contratação terceirizada e temporária de trabalhadores para funções públicas.

Um estudo do INEP divulgado em 2022 mostrou que o crescente desinteresse dos estudantes pela carreira de professor já nos faz prever um “apagão” de professores em 2040. Para daqui a 15 anos, o Brasil deverá verificar um déficit de nada menos que 235 mil professores.

A combinação de baixa remuneração, envelhecimento e aposentadoria dos atuais profissionais do magistério e abandono precoce da carreira explica o prejuízo acumulado para a educação brasileira até agora. Se essa é a realidade com estabilidade de carreira, aposentadoria e alguns benefícios ainda providos pelas estruturas municipais e estaduais de educação, imagine-se a partir da hora em que tudo isso sumir.

Autorizar a contratação terceirizada e temporária de professores, por exemplo, levará o “apagão” de profissionais de ensino a acontecer mais cedo e com maior intensidade. É muito improvável que contratos terceirizados e temporários consigam oferecer remunerações aos futuros professores que tornem a carreira atrativa. Porém, é certo que estes contratos não contarão com qualquer proteção social ou garantia de direitos. Assim, fica a pergunta: que jovens se interessarão pela carreira de professor nestas condições? E como ficará o país com um sistema educacional em precariedade extrema?

O mesmo vale para os serviços de saúde pública. Experiências já feitas em grandes cidades do país, como é o caso do Rio de Janeiro, mostram que o serviço de atenção básica de saúde só piora com a contratação de médicos e enfermeiros pelas chamadas Organizações Sociais (OS).

A tentativa de escamotear a precarização do serviço público pela via de liberar as terceirizações e contratos temporários não deve ser motivo para as categorias de servidores concursados relaxarem. Nós como servidores seguimos sob ataque. Mas talvez de forma mais insidiosa, ao não propor o fim explícito da nossa estabilidade, a reforma administrativa esteja propondo um arranjo que comprometerá a totalidade das funções finalísticas do Estado. Um cenário equivalente à derrocada do Estado e sua legitimidade frente à sociedade.