Cortar Orçamento sem restabelecer confiança não dá

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O governo deve anunciar o contingenciamento do Orçamento nesta semana, antes que o ministro da Fazenda embarque para Sidney, Austrália, para participar da reunião do G-20, a partir do dia 21. A expectativa formada em torno do compromisso fiscal deste ano é imensa. Mas seja qual for a economia prometida para pagamento de juro da dívida pública, o impacto sobre a confiança será pequeno se não convencer de o rumo da política fiscal mudou. Essa condição foi praticamente imposta como resultado da amplificação o desgaste da confiança dos agentes econômicos e do risco iminente de um rebaixamento do rating do Brasil. Essa é a avaliação de Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos em entrevista ao Casa das Caldeiras. A economista considera enorme o desafio da política fiscal nos próximos anos. Pondera que vários fatores contribuem para a formação desse cenário e destaca o fato de a sociedade demandar mais serviços públicos de qualidade e ao mesmo tempo se mostrar incomodada com o baixo crescimento e com a alta inflação. “Na prática, isso quer dizer que os brasileiros começaram a entender que sem produtividade, os salários não poderão crescer consistentemente acima da inflação”, diz Solange.

Leia abaixo alguns trechos da entrevista:

Casa das Caldeiras: O mercado financeiro demonstra urgência em ter a definição da meta de superávit primário para o ano. Se o governo propor um objetivo mais ambicioso acabaram-se os problemas?

Srour: Nossa experiência histórica deveria servir de alerta, porque os contingenciamentos nada mais são do que o anúncio de uma nova meta de superávit primário. E ela pode ser novamente alterada ao longo do ano. Os cortes prometidos muitas vezes têm pouca relação com o que de fato ocorrerá no lado das despesas. Nos últimos dez anos, as metas fiscais quando foram cumpridas, em muitos casos depois de alteradas diversas vezes, tiveram uma contribuição muito mais significativa do aumento das receitas do que da queda dos gastos. Sabemos que grande parte do gasto é rígida, já que as transferências sociais são estabelecidas por lei e os gastos com custeio não podem gerar uma economia suficiente para reestabelecer a confiança na sustentabilidade das nossas contas fiscais. Infelizmente, o mais provável é vermos o peso do ajuste recaindo sobre novas estimativas para a receita extraordinária, proveniente do Refis, concessões, dividendos e outros. É esse o tipo de ajuste que trará a confiança perdida?

Caldeiras: Mas de onde vem tanta desconfiança?

Srour: A falta da confiança no Brasil não deriva somente da incerteza quanto à sustentabilidade da nossa relação dívida em proporção do Produto Interno Bruto (PIB), que sem dúvida existe e é importante. Se fosse só esse o problema, poderia ser facilmente resolvido com um superávit baseado em receitas não recorrentes e aumento da carga tributária. Ocorre que o pessimismo atual vai muito além dessa questão. Ele está essencialmente relacionado ao baixo crescimento e à alta inflação que estão presentes na nossa economia desde 2010, resultados das politicas econômicas e do intervencionismo adotados desde então. Será que poderemos voltar a crescer de forma sustentável em torno de 4,5% ao ano com uma inflação também em torno de 4,5%? A política fiscal é extremamente importante, se não preponderante na resposta a tal questão. É a política fiscal que impacta a oferta da economia, a sua capacidade produtiva, seja diretamente através dos gastos em investimentos públicos, seja indiretamente através da taxação e do mecanismo de incentivos que este enseja. Um país que não cresce mais do que 2% na média dos últimos três anos e cuja expectativa para os próximos dois anos é de crescimento perto de 1,5%, deveria estar focado em aumentar sua produtividade, redefinindo a política fiscal a fim de incentivar o aumento da capacidade produtiva, a inovação, o uso de novas tecnologias e obviamente a melhoria na qualidade da nossa mão-de-obra.

Caldeiras: O governo não vem defendendo aumento de produtividade e qualificação de profissionais? O Brasil não vem seguindo esse roteiro que assegura expansão econômica mais forte?

Srour: Nos últimos 10 anos, adotamos uma politica fiscal voltada para a redução da desigualdade de renda através de um forte aumento das transferências (INSS, Bolsa Família, seguro-desemprego, abono salarial e LOAS). Neste período, o número de beneficiários cresceu em média 7% ao ano, o que junto com o aumento do valor dos benefícios acima da inflação tornou este gasto responsável por 60% do total. Tal política teve seu mérito, mas é razoável imaginar que em uma economia que não cresce mais do que 2%, a manutenção do ritmo de crescimento das transferências acabará por gerar um forte aumento da carga tributária. Impostos geram distorções na alocação dos recursos na economia e desincentivam o trabalho e a acumulação de capital. O que precisamos no momento é justamente o contrário: menos taxação sobre investimento e acúmulo de capital e mais incentivos à inovação e à aquisição de novas tecnologias. No longo prazo, é o crescimento da produtividade a variável-chave para o crescimento da renda real e para a melhora das condições de vida da população. A relação entre produtividade e salário real é uma das mais robustas na economia. Estamos nos preocupando apenas em expandir o Estado do Bem-Estar Social sem nos preocuparmos como pagaremos essa conta e sem percebermos que os efeitos perversos já estão aparecendo com a consolidação do baixo crescimento e da alta inflação. O crescimento do PIB é hoje muito abaixo do que poderia ser se estivéssemos focados em melhorar as condições da oferta e os próximos anos não prometem boas notícias.

Caldeiras: A taxa de desemprego no Brasil historicamente baixa dá a impressão de que estamos a plena carga…

Srour: Não é bem assim não. A taxa de crescimento da população economicamente ativa, que representa o contingente de pessoas disponíveis no mercado de trabalho vem caindo de forma significativa. Os jovens estão cada vez mais se concentrando no estudo e adiando seu ingresso no mercado, fenômeno que deve se acentuar nos próximos anos. Não é por outro motivo que apesar de crescermos menos que 2%, nossa taxa de desemprego está no seu menor valor histórico, certamente abaixo do nível que não traria pressões inflacionárias. O custo unitário do trabalho da indústria é hoje cerca de 40% maior do que era no início de 2010. Já a população com 65 anos de idade ou mais irá aumentar em cerca de 150% até 2050. O fim do bônus demográfico não só limitará o crescimento da economia como pressionará significantemente as contas públicas. Assuntos que até pouco tempo eram tabus, como mudanças nos programas de seguro desemprego, abono salarial e sistema de pensões já começam a ser discutidos por alguns técnicos dentro do governo, mas não ganham respaldo necessário para ir em frente. É difícil dar um choque de credibilidade positivo como, anunciar que em 2015 o governo pretende colocar em discussão no Congresso os benefícios sociais, o grande legado dos últimos anos. Mais fácil deixar os analistas continuarem com a expectativa de que no ano que vem teremos um aumento forte da carga tributária, um crescimento do PIB mais baixo e uma inflação mais alta do que este ano.

 

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