“Não é no Ministério da Fazenda que se contrata crescimento”

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O debate no Brasil está muito concentrado no ajuste das contas públicas, mas não é do Ministério da Fazenda que virá o crescimento, diz o economista Luiz Augusto Candiota, exdiretor de Política Monetária do Banco Central (BC). Para ele, a agenda mais importante hoje é a da redução de tributos e da eficiência da economia, ainda que não seja óbvia nem deva “acontecer”. Na visão de Candiota, o país deveria se concentrar no aumento da produtividade, na melhora de eficiência do ambiente econômico e do gasto público e numa revisão geral de como se enxerga e se implementa o sistema tributário. “Eu trabalharia com a opção de que, reduzindo tributos, as contas fecharão por crescimento econômico, mas parece que a opção que está sendo feita é subir tributos para garantir o fechamento das contas, mesmo que seja à custa de algum crescimento”, completa Candiota, sócio­fundador da gestora Lacan Investimentos. Para ele, o efeito de uma carga tributária menor e mais eficiente sobre o crescimento é subestimado. Na visão do economista, a sociedade não aceita mais alta de tributos e a elevação da carga tributária de 17% do PIB no pós­Plano Collor para os atuais 37% do PIB foram algo quase comparável a um calote: “Podemos não ter tido nenhum plano econômico pós­Plano Real, mas tivemos muitos calotes ao longo dessas décadas. Foi de CPMF, aumento de PIS, Cofins, CSLL, imposto nas aplicações financeiras.”. A seguir, trechos da entrevista. Valor: Como o sr. avalia a política econômica do novo governo? Luiz Augusto Candiota: Há uma retomada da administração das contas públicas, no sentido de uma organização muito diferente da que nós tivemos nos últimos anos. Mas nós continuamos num regime já de décadas em que a despesa é crescente, e acima do ritmo de crescimento do país. Essa situação que aí está é fruto de décadas, em que o país certamente gastou mais do que deveria. A discussão fiscal não é apenas sobre colocar as contas em ordem. Você pode não gastar mais do que arrecada e gastar mal. Você pode até gastar mais do que arrecada, se endividando, e gastar bem. A discussão aqui é da qualidade do gasto. Uma coisa é o que o Ministério da Fazenda faz, que eu costumo chamar de meio. Ele é meio, não é fim. Ele arrecada e passa esse dinheiro para os ministérios fins, como Saúde e Educação. E é aí que nós temos a grande parte dos problemas. Nós não temos há muito tempo uma qualidade de gestão do dinheiro público que faça com que tudo que o Brasil arrecade chegue com produtividade e qualidade ao final. Além disso, nós temos o nosso carimbo das despesas. Valor: Resolvida a questão do impeachment, qual é o cenário? Candiota: Acho que está dado. Pelo que tem sido a agenda descrita pelo governo, há uma agenda propositiva quanto à questão orçamentária, de controle de despesas com base no teto proposto. Há outra agenda que, pelas notícias mais recentes, parece estar mais difícil de trabalhar, que é a da reforma da Previdência. Não se sabe se será possível colocá­la em votação neste ano ou se ficará para o ano que vem. E essa é a reforma mais importante a ser conduzida do ponto de vista geracional, do ponto de vista da trajetória. Se não formos a fundo na questão da reforma da Previdência, o que se pode dizer, de algum modo, é que você está escravizando as gerações futuras. Elas serão escravas de benefícios desproporcionais a certos tipos de trabalhadores, em que uma grande maioria terá que pagar uma conta de poucos. Há uma agenda da condução da economia muito clara, mas não me parece que nós conheçamos claramente a agenda de condução dos serviços públicos, como saúde, educação, comércio exterior. Toda a agenda de negociação do Brasil com os outros países assim como a negociação do governo com os cidadãos, através dos serviços públicos. Quantos de nós conhecemos a agenda do Ministério da Educação, do Ministério da Saúde e de outros ministérios importantes? Para mim, não está clara. A agenda da privatização ainda está confundida com dois pontos. Um é a necessidade de fazer caixa e outro é a crença de que em alguns setores da economia o setor privado poderia atuar de modo mais eficiente no serviço do que o setor público. Valor: O sr. gosta da proposta do teto de gastos? Ela é factível? Candiota: É factível. A proposta contempla uma ideia de dar um norte de como você organiza os gastos e o endividamento e temos que colocar no contexto de quando ela surgiu. Num momento em que há uma percepção clara de que o Brasil estava sem norte na questão do endividamento público e a condução disso por mais muito tempo poderia nos levar a uma situação bastante mais complicada, no sentido de ter credibilidade para rolar os nossos compromissos. Nesse sentido, a proposta é importante. Mas não acredito que seja a solução dos problemas. Valor: Por quê? Candiota: À luz de hoje, temos um juro elevado, e é o juro real o que importa. Os juros na dívida pública são de 6% até 2050, considerando as NTN­Bs. Estou falando de uma média de 6%. Se vamos incorrer num endividamento que nos custa 6% ao ano em termos reais e nós temos uma conta em que a dívida é crescente, porque, para fazer frente a pagar 6% real, para ficar equilibrado você tem que crescer no mínimo isso. Não estamos numa agenda de produtividade para entrar numa taxa de crescimento constante em níveis elevados. Enquanto não revisarmos a qualidade do gasto, e a produtividade, a gestão do gasto público, a alocação do capital continuará sendo de baixa produtividade. Não vi ainda proposta clara de ganhos de produtividade para o Brasil. É um problema de décadas. Valor: Houve o reajuste do funcionalismo e a definição de meta de déficit elevada. Para alguns analistas, o governo conta com uma grande tolerância do mercado. Candiota: Acho que o país está cansado de brigar. Foi um período de desgaste político e econômico bastante longo. A sociedade de algum modo clama por definições. Eu não sou especialista em política e vejo as notícias políticas como todos nós vemos. Mas a pergunta que o mercado faria é se, na eventualidade de um retorno da Dilma, o governo teria capacidade de negociar agendas com o Legislativo. Acho que essa é a grande pergunta. Tudo o que nós estamos falando aqui depende de uma negociação entre o Executivo e o Legislativo. Valor: O sr. falou sobre o nível do juro real e da alocação de capital. Como enfrentar essa questão? Candiota: Temos uma política de juro real alto que remonta à época do Marcílio Marques Moreira [ministro da então pasta da Economia, entre 1991 e 1992]. Estamos falando basicamente de toda a década de 90, de toda a década de 2000 e estamos atravessando mais da metade da década até 2020. Quando você vê 25, 30 anos de uma política de juros reais muito elevados, isso traz uma série de problemas. Não conseguimos chegar aqui por mágica. Chegamos ao custo de uma dívida crescente, de um contrato social que foi uma escolha da sociedade com a Constituição de 1988, de benefícios e déficits crescentes. Quando digo que não chegou por mágica, nós podemos não ter tido nenhum plano econômico pós­Plano Real, mas tivemos muitos calotes ao longo dessas décadas. Foi de CPMF, aumento de PIS, Cofins, CSLL, imposto nas aplicações financeiras que, no começo da década de 90, acho que ainda era apenas sobre o juro real, na realidade só sobre o juro, porque o resto é inflação. E hoje você paga imposto sobre uma coisa chamada juro nominal. Valor: Há quem diga que, dada a trajetória da relação dívida/PIB, seria necessário aumentar impostos. O sr. não é simpático a essa ideia? Candiota: Não sou simpático à agenda de aumento de impostos. Esse é mais um grande desafio que está na mesa do governo, que é como ganhar eficiência na economia, e me parece que estamos num ponto em que qualquer aumento de impostos, em vez de beneficiar o crescimento, será destruidor de crescimento. O Brasil deve caminhar numa agenda do ponto de vista da redução de impostos. Hoje, você teria que fazer uma revisão de fato em que o trabalho de arrecadação de impostos não vire uma meta por si só. Ela tem que ter ser uma coisa pensada do modo eficiente. O quanto você pede à sociedade para distribuir, em benefício de uma alocação de capital eficiente. Essa discussão não existe. A discussão, inclusive nos jornais, é quanto mais arrecadar, melhor. Comemora­se a arrecadação, como um traço de PIB. Valor: É possível reduzir imposto com a trajetória da dívida bruta? Candiota: Eu vou devolver com uma pergunta. Vamos imaginar que cada real alocado na saúde, ou na infraestrutura, você conseguisse transformar em produtividade. Um exemplo. Você faz um investimento de R$ 100 no saneamento básico, esse saneamento vai possibilitar que você gaste muito menos com doenças, muito menos em saúde preventiva, vai trazer produtividade para as comunidades. Provavelmente o que vai ocorrer é que esses R$ 100 vão gerar crescimento. Se você gerar crescimento com saneamento básico, com educação, com infraestrutura, mais do que compensa a necessidade de ter que subir tributos. Quando você coloca o tributo na frente hoje, você já está contratando menos crescimento, ainda que a economia possa crescer. Mas ela poderia avançar mais. Hoje, a equação entre tributos e crescimento no Brasil está mal parada. Valor: O foco deveria ser aumentar a eficiência e a produtividade? Candiota: Eficiência e produtividade. Leia­se tanto daquilo que é de responsabilidade do Estado ­ é gestão pública ­ e melhorar a eficiência para que a gestão privada também possa ser mais eficiente. Mas insisto. Não há agenda de eficiência da gestão pública, independentemente das áreas em que o Estado resolver estar. Como é que você vai contratar crescimento? Crescimento não se contrata no Ministério da Fazenda. O país contrata crescimento no Ministério da Educação, na Saúde, no modo que o governo gera estímulos ao desenvolvimento, nos serviços. Valor: Já houve tentativa de reduzir esse juro real alto que o sr. critica que não foi muito bem­sucedida. Candiota: Para mim, juro não se reduz na marra. O juro real que o Brasil paga é fruto de alguma maneira da credibilidade que está contratada e do tamanho do endividamento que temos. Quer dizer, a trajetória da dívida bruta é crescente, todos nós sabemos disso e todos os que nos emprestam dinheiro também, então para fazer uma trajetória cadente de dívida, aquela proposta antiga que tinha de déficit nominal zero, que você pagasse toda a conta do déficit primário e mais os juros nominais e na realidade você reduziria a dívida porque a parcela da inflação também ajudaria a reduzir. No fundo você não precisa ir nem no déficit nominal zero, se tivesse condição de fazer frente aos juros reais que nós contratamos está ótimo, a dívida já não cresceria mais. De alguma maneira todo mundo fica olhando o juro nominal, os 14, 25%, hoje. É muito ou é pouco? Depende das variáveis da inflação. Tem meses, em que 14,25% sobre um IGP­M de 0,18% num mês, é um juro real gigantesco, sobre um IGP­M de 0,8% ou 1% já não é a mesma coisa. Então qual é na realidade o juro real que está se sinalizando à frente? Ele é que dá a chance de os agentes trabalharem. Hoje, a gente tem um mercado que mais ou menos diz isso, que é o da NTN­B, que mostra juro real de 6%. Esse juro real é de alguma maneira suficiente para trazer a inflação para as metas? Houve alteração grande também na gestão da política monetária recentemente com a nomeação do Ilan [Goldfajn] e ele está querendo sinalizar de alguma maneira com mais ênfase que vai tentar mesmo mirar e levar as expectativas de inflação para o que chama o centro da meta. Valor: O sr acha factível perseguir 4,5% no ano que vem? Candiota: Sou favorável a uma meta de inflação ainda mais baixa. Estamos pedindo muito tempo da sociedade já há muitos anos de custo em trazer a inflação para patamares civilizados: 4,5%, 5%, 6% de inflação é muito alto, corrói muito do poder de compra. O Brasil deveria aproveitar, já que é uma fase de ajustes, para realmente seguir uma agenda de ajustes que envolvesse inflação ao redor de 3%, queda de tributos, abertura da economia e gestão do gasto público. Valor: O sr teria sido favorável ao CMN reduzir a meta para 2018? Candiota: Sim, sou favorável. Sempre há uma discussão de que reduzir a inflação mais rápido talvez exija uma austeridade e um nível de tranco na economia maior do que a sociedade aguentaria. Acho que tranco na economia a gente sabe o que é, a gente já viveu no passado e está vivendo novamente. O tranco por si só não tem sido suficiente para trazer a inflação para baixo, e me parece que tem outra discussão que não se faz, que tem a ver com o gasto público e os efeitos tributários nos preços. Valor: A quanto pode chegar a recessão? Candiota: Não fico fazendo projeções. Vale como exercício, mas o que importa é se você está vendo dinamismo. A gente criou capacidade ociosa, tem espaço para crescer sem talvez gerar muitas pressões inflacionárias, mas isso não é condição de longo prazo. Valor: Há uma hipertrofia do Ministério da Fazenda? Candiota: Não é nem uma hipertrofia, a questão da economia sempre foi tão discutida, e é o que domina a agenda, que há uma cegueira da sociedade acreditar que o Ministério da Fazenda é capaz de resolver os problemas do país. O Ministério da Fazenda, volto a dizer, é meio. Estamos discutindo muito pouco a produtividade. Valor: Como o sr. vê a trajetória do câmbio, que tem se apreciado? Candiota: Diria que se tivéssemos vivido a situação que vivemos nos últimos anos sem a quantidade de reservas e com aquele tipo de endividamento que tínhamos na década de 80 estaríamos com efeito muito mais abrupto da taxa de câmbio do que tivemos. O Brasil vem atravessando com dor, com dificuldade todo esse período de crescente desemprego, recessão, queda dos serviços públicos. Mas não teve uma crise do balanço de pagamentos. Se a gente olhar a virada que o balanço de pagamentos fez e a velocidade com que fez, foi importante. Entendo que o governo deveria ficar de olhos atentos para não perder certas conquistas que o câmbio desvalorizado nos trouxe. Valor: Zerar mais rápido o nível de swap cambial e eventualmente defender algum nível de câmbio? Candiota: Tendo espaço para reverter posição dos swaps cambiais, acho bom, prudente. A agenda do que o BC quer está colocada na ata. Ele está optando por uma “garantia” de que a inflação está caindo mesmo, e que a agenda das reformas caminha no Congresso. Está parecendo que, de alguma maneira, quer se movimentar após a agenda caminhar alguma coisa no que diz respeito ao teto de despesas. Valor: O sr. concorda com essa abordagem? Candiota: Concordo com abordagem de que BC e Fazenda têm que estar muito afinados. O BC tem muito mais dados do que eu para enxergar para onde inflação está indo ou não. Acho que o Brasil está pagando preço alto do ponto de vista da recessão econômica e vai pagar preço mais alto, se aumentar tributo. A agenda mais importante para mim não é uma agenda óbvia e não acho que vá acontecer, mas é a da redução de tributos e da eficiência da economia. Eu tomaria a opção de que, se cair tributo, as contas fecharão por crescimento econômico, mas parece que a opção que está sendo feita é subir tributos para garantir o fechamento das contas, mesmo à custa de algum crescimento. Valor: Volto a insistir. É possível baixar tributos mesmo com essa trajetória da dívida bruta? Candiota: Em várias instâncias há um menosprezo pela capacidade de crescimento da economia brasileira, se os tributos caírem. A sensação é que tudo que se colocar a mais agora de tributo, o efeito multiplicador disso na atividade é nocivo. Parece que chegamos ao limite e temos que nos perguntar como uma economia que paga tanto tributo não consegue colocar capital de forma decente. Valor: Nos últimos 20 ou 30 anos, houve algum momento que deu esperança, em que se viu algum movimento na direção correta? Candiota: Acho que houve tentativas, não houve nunca uma discussão ­ e talvez estejamos chegando nela agora, porque a realidade vai se impor ­­ sobre como fazer isso sem asfixiar o cidadão tributariamente. As opções feitas ao longo das últimas três décadas foram sempre uma discussão à luz de aumento da carga tributária, esse é o modelo no qual estamos inseridos e talvez estejamos chegando ao fim dessa possibilidade. A gente vê hoje, quando se tenta passar uma CPMF, a reação da sociedade. Talvez estejamos caminhando para um momento decisivo, em que vai se colocar uma agenda que começou com essa questão da discussão do gasto público, de que as despesas não podem mais subir. Valor: Tive a impressão de que o sr. acha que o juro poderia cair um pouco mais rápido. É só impressão? Candiota: É impressão sua. Tivemos um desarranjo com esse negócio da inflação que não foi brincadeira, acho que o Ilan assumiu há muito pouco tempo, é um governo interino, que assumiu recentemente e que não sabe se o que for feito agora estará aí ou não em setembro. O que eu poderia dizer é o seguinte: não acho que poderia cair mais rápido, mas acho que os juros são muito mais que suficientes.