Corte previsto no orçamento não deve impedir novo déficit em 2016

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O governo federal anunciará ainda esta semana um corte bilionário no orçamento de 2016, mas, independente do seu tamanho, ele não será suficiente para atingir a meta fiscal neste ano e nem mesmo para impedir um novo rombo nas contas públicas – e isso vai contribuir para impulsionar o endividamento público e pressionar a inflação, segundo projeções do mercado financeiro e analistas ouvidos pelo G1.

O Congresso Nacional aprovou o texto do Orçamento de 2016 estabelecendo uma meta de superávit primário (economia que o governo tem que fazer para pagar os juros da dívida) de 0,5% do PIB, o equivalente a R$ 30,5 bilhões para todo o setor público (governo, estados, municípios e estatais). A parte somente do governo é de R$ 24 bilhões, ou 0,4% do PIB, enquanto R$ 6,5 bilhões são a meta de estados e municípios (0,1% do PIB).

De acordo com interlocutores da área econômica, o valor do corte de gastos, neste ano, deverá ser menor do que R$ 50 bilhões, podendo ficar mais próximo de R$ 30 bilhões em 2016. No ano passado, o governo anunciou um bloqueio inicial de R$ 69,9 bilhões. Posteriormente, em julho do ano passado, outros R$ 8,74 bilhões foram contingenciados.

O bloqueio de despesas que o governo anunciará busca tentar atingir justamente a meta fiscal fixada pelo Congresso para 2016, mas não deve chegar nem perto do necessário. Segundo pesquisa realizada pelo BC com mais de 100 instituições financeiras, as contas públicas (governo, estados, municípios e empresas estatais) deverão registrar um déficit primário (despesas maiores do que receitas, sem contar os juros da dívida pública) de 1% do PIB em 2016, ou seja, de cerca de R$ 60 bilhões.

3º ano com contas no vermelho e nova revisão da meta fiscal
Caso este rombo se confirme, 2016 será o terceiro ano consecutivo com as contas no vermelho e o governo terá, novamente, de enviar um texto ao Congresso Nacional para revisar a meta fiscal fixada pelo Congresso Nacional.

Em 2014, houve um déficit de R$ 32,5 bilhõese, em 2015, um rombo recorde de R$ 111 bilhões. Nestes dois anos, o Executivo teve de mandar uma revisão formal das metas aos congressistas para não sofrer sanções. No ano passado, chegou a ficar sem poder empenhar novos gastos por alguns dias e, somente pôde fazê-lo depois da aprovação da nova meta pelo Congresso Nacional.

O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, tem falado em levar adiante uma reforma fiscal, limitando os gastos públicos. Entretanto, ele também tem citado a possibilidade de descontar da meta fiscal eventuais frustrações de receitas por conta do baixo nível de atividade. Na prática, a meta fiscal poderia ser menor no futuro se a economia não crescesse e se a arrecadação não evoluísse conforme o previsto. Essa reforma deverá ser levada ao Congresso Nacional ainda no primeiro semestre deste ano.

O que dizem os economistas
Para economistas consultados pelo G1, as dificuldades do governo em atingir não somente a meta fiscal (superávit de R$ 30,5 bilhões) deste ano, mas em trazer as contas novamente para o azul, residem no fraco ritmo de atividade econômica e, também, nas limitações que o Executivo tem para fazer cortes de despesas.

Do orçamento total, menos de 10% pode ser objeto da tesoura do governo, pois a maior parte dos gastos já está carimbada (Saúde, Educação, Previdência e folha de pagamentos por exemplo, entre outros). Para poder fazer um corte maior no orçamento, o governo teria de atuar nas chamadas “despesas obrigatórias” mas, para isso, teria de enviar alterações de leis ao Congresso Nacional e aprová-las para que tivessem efeito.

Os analistas acreditam também que o governo terá dificuldade para aprovar a Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira (CPMF), mas, mesmo com sua receita, estimada em R$ 10 bilhões para 2016, o Executivo ainda não conseguiria retirar as contas do vermelho neste ano.

“Nossa expectativa é de um déficit de 0,8% do PIB em 2015, de cerca de R$ 50 bilhões. A gente não está contando com a CPMF. O governo deve ter uma frustração de receita continuada em função da queda do PIB, pois a gente prevê retração de 3% para a economia. Do lado da despesa, o governo não mostrou ainda nenhum grande projeto [para reduzir gastos obrigatórios]. Estão tentando trabalhar Previdência, mas aí é uma reforma de longo prazo. Na nossa conta, a gente não vê muita possibilidade de fechar superavitário nesse ano”, avaliou Fabio Klein, analista de finanças públicas da consultoria Tendências.

Para o especialistas em contas públicas, Raul Velloso, tudo está sinalizando na direção de  um novo déficit fiscal neste ano. “Com a economia desacelerada, e previsão de cair mais 4%, que é a previsão que muita gente fez, hoje a gente está olhando mais para um déficit [em 2016]. A rigidez [orçamentária] é grande. Há gastos dos quais não vai conseguir fugir. Diante da rigidez da depesas, você tem todos elementos para não atingir essa meta. A ideia do Nelson Barbosa [ministro da Fazenda] de fazer uma meta dependente do crescimento da arrecadação [meta flexível] revela uma expectativa ruim do governo”, declarou ele.

Mais dívida e inflação
Em dezembro de 2015, a dívida bruta do setor público, uma das principais formas de comparação internacional (que não considera os ativos dos países, como as reservas cambiais), estava em 66,2% do PIB (R$ 3,92 trilhões). O BC já admite que, considerando as previsões de mercado para PIB, câmbio, juros básicos da economia e inflação no próximo ano, além de um déficit primário de 1% do PIB (estimado pelos analistas para 2016), a dívida bruta somaria 71,5% do PIB no fim deste ano.

O economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, observa que, levando em conta os dados recentes de arrecadação e despesa, considerando nova retração do PIB neste ano, a dívida bruta em proporção do PIB pode chegar até mesmo a 75% do PIB neste ano. “Não vemos espaços para melhora fiscal com a atual dinâmica do PIB e o ajuste das despesas já foi feito para além do razoável sobre o investimento público”, avaliou Perfeito, por meio de comunicado.

Segundo a consultoria Tendências, os “enormes desequilíbrios fiscais de curto prazo” (déficits no orçamento) têm impacto relevante no longo prazo, uma vez que elevam rapidamente o patamar da dívida pública. “Em se confirmando nossas projeções econômicas e fiscais de curto e médio prazo, teremos uma trajetória bastante perversa da dívida bruta, que deve crescer de modo consistente até 2018 e atingir 78,7% do PIB”, acrescentou, em relatório.

Acima de 70% do PIB, a dívida bruta brasileira, segundo previsões do FMI para o fim de 2016, estaria menor do que nações como Antigua (101% do PIB), Austria (86% do PIB), Bahrein (77% do PIB), Barbados (105% do PIB), Bélgica (106% do PIB), Belize (99% do PIB), Butão (122% do PIB), Cabo Verde (123% do PIB), Canadá (89% dpo PIB), Croácia (91% do PIB), Egito (89% do PIB), Eritrea (136% do PIB), Gambia (101% do PIB), Grécia (206% do PIB), Granada (85% do PIB) e Iraque (88% do PIB), entre outros.

Além de ter dívida em patamar elevado, o Brasil também tem as maiores taxas de juros reais do mundo (descontando a inflação prevista para os próximos 12 meses), ao contrário de nações mais desenvolvidas, o que gera expectativas negativas para o seu endividamento no futuro. Com esses indicadores, as empresas do país tendem a pagar juros mais altos para renovar empréstimos no exterior. Observando os indicadores fiscais, duas das três principais agências de classificação de risco (Standard & Poors e Fitch) já retiraram o “grau de investimento” do Brasil – um selo de bom pagador.

Outra consequência de déficits fiscais é seu impacto na inflação. Mesmo com o anúncio de cortes de gastos (que acontecem em relação aos valores aprovados pelo Congresso Nacional), as despesas tendem a subir, até mesmo por conta dos gastos obrigatórios. Com isso, pressionam a inflação. No fim de 2013, o presidente do BC, Alexandre Tombini, declarou que, em condições normais, as autoridades monetárias sempre defendem que, quanto maior for o esforço fiscal, melhor é para o controle da inflação.