A receita do PIBinho :: Raul Velloso

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Autor(es): Raul Velloso

O Estado de S. Paulo – 10/12/2012

 

 

Desde 2003, a econo­mia brasileira passou a operar claramente \ sob o modelo de cres­cimento do consumo domésti­co, graças ao controle da dívida pública e ao ambiente externo superfavorável até 2008. As ta­xas de juros puderam cair forte­mente e o crédito, expandir-se a taxas nunca antes vistas. À épo­ca, a razão crédito total/Produto Interno Bruto (PIB) era de 25%. Hoje, é de 50%. Significa R$ 1 tri­lhão de empréstimos adicionais nestes nove anos.

Os preços de nossas princi­pais commodities de exporta­ção se elevaram fortemente, en­quanto se ampliava a oferta mun­dial de produtos industrializa­dos, a preços cada vez mais bai­xos, puxados e determinados es­pecialmente pela China.

Nessa situação, a demanda agregada cresce bastante, espa­lha-se pela economia e causa efeitos diferenciados setorialmente. Os que pouco comerciali­zam com o exterior, como servi­ços, são ganhadores óbvios e atraem mais recursos e mão de obra. Com pouca concorrência externa, os preços desses seg­mentos tendem a subir, viabili­zando a contratação de mais mão de obra por salários mais elevados, que depois se transmi­tem para o resto. Hoj e se fala que há pleno emprego no País, por­que o setor de serviços viabili­zou a absorção de forte contin­gente de mão de obra, empregan­do três vezes mais que a indús­tria. Voltado basicamente para fora e sob preços externos em ascensão, os setores de commo­dities são também ganhadores.

Ao sofrer a pesada competi­ção chinesa – e, por último, da Europa em recessão a indús­tria de transformação é a grande perdedora. Há, ainda, os proble­mas vividos por um de seus maio­res mercados compradores, aAr­gentina. Perde, também, por ter de pagar salários cada vez mais altos, puxados pelo setor de ser­viços. Para completar, nesse qua­dro a taxa dé câmbio tende natu­ralmente a se apreciar, seja pela maior atratividade econômica do setor que não comercializa com o exterior, seja pela inunda­ção de dólares decorrente do choque de commodities e da for­te expansão da liquidez interna-, cional. Assim, por vários moti­vos, a indústria tende a crescer menos do que os demais seto­res. Sem jeito.

As vendas reais do comércio * têm crescido a”896 ao ano desde 2003, independentemente da crise, demonstrando o forte cres­cimento do consumo. Por sua vez, a indústria conseguiu acom­panhar de perto a evolução do setor de serviços, com cresci­mento ao redor de 4%, até 2008. Mas, depois, desabou com a cri­se, recuperou-se rapidamente e de 2009 para cá só cai.

Gomo consequência, as im­portações de industrializados têm crescido muito, e os déficits externos, idem, em que pese o aumento do valor das exporta­ções. Isso implicou maior inter-nalização de poupança externa na economia e aumento da taxa de investimento anual – ao re­dor de 4 pontos porcentuais do PIBaliviando a pressão sobre a taxa de poupança gerada do­mesticamente, que, num mode­lo pró-consumo, tende a cair. Simultaneamente, permitiu aumento da taxa de crescimento do PIB sustentável para cerca de 4% ao ano.

Vencidos os piores momen­tos da crise externa, seria de es­perar que tudo voltasse ao pa­: drão de desempenho pré-crise. Maior crescimento do PIB po­tencial dependeria, contudo, de novos aumentos da taxa de inves­timento e da taxa de crescimen­to da produtividade, especial­mente via expansão da infraestrutura de transportes, já que a mão de obra, ao que se estima, está plenamente empregada.

O governo tem mantido o mo­delo pró-consumo, mas alterou peças importantes do restante. Aprovou várias medidas de so­corro à indústria, incluindo a desvalorização do câmbio. Fi­xou-o, posteriormente, ao re­dor de R$ 2,10. Interveio com força no sistema bancário para reduzir os spreads por métodos mais diretos. Reduziu fortemen­te a taxa básica de juros, aprovei­tando o quadro recessivo mun­dial. Congelou os preços de com­bustíveis. Está lançando novos planos de concessões de trans­portes, baseados em tarifas e ta­xas de retorno mínimas, e uma pesada reformulação das con­cessões de energia elétrica com o objetivo de forçar a redução da conta de luz em 20%. Essa é a receita que, em que pese a boa intenção, parece vir produzindo o fraco resultado do PIB, o cha­mado PIBinho.

O grande drama da política cambial é que ela está indefini­da, pois pode haver novas desva­lorizações pontuais e porque, no longo prazo, o regime de câm­bio fixo tende a cair. Enquanto isso, cria-se uma trava à entrada de poupança externa – e ao in­vestimento – que não existia, sa­bendo-se que a indústria tem poucas saídas. Todo alívio que receber implicará custos para a economia como um todo, sem garantia de compensação futu­ra via produtividade. O modelo de concessão de transportes afasta investimentos e só garan­te empreendimentos de baixa qualidade. O certo seria aceitar taxas de retorno realistas e exi­gir maior produtividade ao lon go do período de concessão. Em reação às mudanças, há uma grande confusão na área de ener­gia e perspectivas desfavoráveis para os investimentos.

Com tantas – e desencontra­das – mexidas, não se deveriam estranhar cinco quedas consecu­tivas nos investimentos e com­portamento pífio do PIB.