Crescimento medíocre com inflação

257

Autor(es): Márcio Garcia

Valor Econômico – 16/11/2012

 

 

O cenário econômico internacional permanece sombrio, com a Europa estagnada, os EUA ameaçados de ter de se impor uma contração fiscal excessiva que poderá reverter sua frágil retomada e o dínamo chinês desacelerando. No Brasil, a política econômica vem provendo extensa coleção de estímulos monetário, creditício e fiscal, visando estimular o crescimento do PIB. Poderão tais políticas ter o efeito que delas se espera sem colocar em risco o controle da inflação?

Conquanto nossos policy-makers falem frequentemente na necessidade de se criar condições que estimulem o investimento e o aumento da produtividade, a maior parte das medidas que vêm sendo tomadas têm se dirigido a estimular o consumo. Do lado da política monetária, o Banco Central (BC) cortou a Selic para 7,25% e sinalizou que a manterá inalterada por longo período. Tal mensagem foi devidamente entendida pelo mercado, que reduziu para os mesmos 7,25% a previsão para a Selic em 2013. Mas é preciso ter em conta que, sobretudo num país no qual o crédito ao investimento corresponde, em grande parte, a empréstimos subsidiados do BNDES, o impacto da redução dos juros é principalmente o de aumentar o consumo e a demanda por ativos reais, elevando seus preços.

O crédito concedido por bancos públicos vem crescendo a taxas muito elevadas, acima de 20% ao ano. Mas o mesmo não vem ocorrendo com o crédito concedido por bancos privados. O que se teme é que tal diferença de comportamento entre bancos públicos e privados esteja refletindo relaxamento dos padrões de concessão de créditos por parte dos bancos públicos. Se for esse o caso, já se sabe quais deverão ser as consequências. Inadimplência, que já vem crescendo, e fortes impactos fiscais negativos, como já ocorreu no passado quando o Tesouro Nacional (TN) teve de voltar a injetar capital nos bancos públicos.

Sem avanço nas reformas estruturais, a economia continuará tendo um desempenho pífio

Do lado fiscal, desonerações ad hoc têm beneficiado diversos setores. Por seu caráter temporário, não deveriam impactar decisões de longo prazo de investimento, e, de fato, parecem não estar cumprindo tal papel. Mas vêm afetando a receita tributária, tornando inviável o cumprimento da meta fiscal, obrigando o governo a voltar a recorrer a artifícios contábeis, como o recurso a pagamentos de dividendos mais generosos pelas estatais.

Devido à redução da Selic, um superávit primário mais baixo poderá manter a dívida líquida em queda. No entanto, caso o governo insista em expandir suas políticas, até a trajetória declinante da dívida líquida pode vir a ser ameaçada. Em particular, o custo dos juros para financiar o elevado nível das reservas cambiais e os empréstimos subsidiados do Tesouro Nacional ao BNDES constitui importante ônus fiscal. Tais despesas fiscais deveriam ser explicitadas nas contas públicas, mas ficam mascaradas no aumento da taxa de juros implícita da dívida líquida, que deve fechar 2012 acima de 14%, a despeito da queda da Selic. Naturalmente, o impulso fiscal alia-se aos impulsos monetário e creditício, promovendo expansão da demanda.

A inflação vem se mantendo em patamar relativamente alto. O BC parece ter recuado para o objetivo mais complacente de apenas impedir que ultrapasse o teto da banda (6,5%). Mas mesmo o desempenho medíocre no controle da inflação só foi possível graças a diversos fatores excepcionais, como a reponderação do índice de inflação (IPCA) pelo IBGE e as já aludidas desonerações fiscais, que baratearam temporariamente vários produtos. A manutenção do preço da gasolina, às custas de reduções tributárias (CIDE) e impactos negativos sobre a capacidade de investimento da Petrobras, vem sendo outro importante instrumento artificial de contenção inflacionária. Essa forma distorcida de condução da política macroeconômica vem sendo rotulada de administração tributária da inflação!

Assim, a economia brasileira cresce pouco, mas a inflação continua mais alta do que deveria. Os diversos estímulos de demanda já colocados em prática não lograram impulsionar a oferta, sobretudo na indústria, que ainda não recuperou o nível de produção pré-crise de 2008. Parte da fraqueza na reação da oferta deve-se ao mercado de trabalho muito aquecido. O crescimento entre 2003 e 2011 beneficiou-se da incorporação de significativo contingente de mão-de-obra, com a taxa de desemprego caindo de 12,3% para 6%. Agora, que já atingimos o pleno emprego, a incorporação de novos trabalhadores terá necessariamente que se dar de forma mais lenta, diminuindo o crescimento do PIB. Ou seja, a elevada taxa média de crescimento verificada entre 2004 e 2008, acima de 4% ao ano, supera nossa real capacidade de crescer a longo prazo, a menos que venham a ser implementadas mudanças estruturais profundas na economia brasileira.

O mercado de trabalho aquecido mantém salários em alta. Setores que não sofrem da concorrência externa, tipicamente produtores de serviços, conseguem repassar tais custos para os consumidores. Por isso, a inflação de serviços situa-se, desde 2010, ao redor de 8% ao ano. Já a indústria, que tem que manter seus preços em linha com os da concorrência externa, vem tendo menos sorte.

Se, como parece ser o caso, a taxa de crescimento que podemos atingir no longo prazo, sem reformas estruturais, estiver em torno de 3 ou 3,5% ao ano, maiores estímulos de demanda ou um cenário internacional mais favorável devem trazer de volta ameaças inflacionárias. Nesse caso, o BC vai ter de agir, ou aceitar a elevação da inflação.

Em qualquer caso, é frustrante que, quase no final da primeira metade do mandato da presidente Dilma Rousseff, tão pouco se tenha avançado nas reformas estruturais de nossa economia, e o investimento continue a patinar, comprometendo o crescimento econômico.

Márcio G. P. Garcia, PhD por Stanford e professor do departamento de Economia da PUC-Rio, escreve mensalmente às sextas-feiras (www.http:www.econ.puc-rio.br/mgarcia)