Governo precisa ter meta fiscal definida e transparente

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Na semana passada, em entrevista ao Valor, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, deixou claro que a política fiscal brasileira não está mais relacionada à questão da dívida pública, mas sim ao comportamento da economia. Se a atividade econômica estiver em queda, a política será mais expansionista, pois o aumento do gasto público estimulará a demanda. Em momentos de aceleração do crescimento, explicou, o governo será mais contracionista e vai mirar uma meta de superávit primário mais elevada. “Estamos exercendo mais a ideia de adequar a nossa situação fiscal aos ciclos econômicos”, disse Arno Augustin.

O uso da política fiscal anticíclica só está sendo possível, segundo ele, porque novos fundamentos econômicos, como juros estruturalmente mais baixos e dívida pública em queda como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), além da crise mundial, abrem espaço para uma gerência fiscal mais ativa.

A prova de que o governo fará uma política fiscal contracionista quando a atividade econômica estiver acelerada foi dada, segundo Augustin, durante a crise financeira internacional causada a partir da quebra do banco Lehman Brothers. Em 2008 o superávit primário atingiu 3,4% do PIB. No ano seguinte, quando a economia brasileira mergulhou numa breve recessão, a política fiscal foi alterada e o resultado primário caiu para 2% do PIB.

Está longe de ser uma unanimidade entre os economistas a percepção de que o governo brasileiro executa uma política fiscal anticíclica. O próprio Banco Central (BC), em recente estudo anexado ao Relatório de Inflação divulgado em março, informa que, no período de 2008 a 2012, apenas em um ano a política fiscal foi contracionista. Em outros três anos foi expansionista e, em 2008, neutra.

É importante observar que, em 2010, quando o país registrou o maior crescimento econômico (7,5%) desde meados da década de 1980, o governo utilizou parte substancial dos recursos da venda de petróleo do pré-sal à Petrobras para fechar suas contas. Com essa estratégia, evitou conter os seus gastos e fazer uma maior poupança pública, mesmo com a economia a todo vapor.

Em 2011, quando o Banco Central atribuiu à política fiscal um caráter contracionista, caberia questionar se ela foi de fato anticíclica. Naquele ano, a atividade econômica começou forte, mas no segundo semestre já se mostrava em desaceleração. O baixo crescimento se prolongou por todo o ano de 2012 e só agora esse ciclo pode estar se revertendo. Ou seja, é possível inclusive que a política fiscal em 2011 tenha sido pró-cíclica, ajudando a deprimir uma economia que já estava se definhando. De qualquer forma, foi a partir de um reforço fiscal que o BC pôde, em agosto de 2011, iniciar a redução da taxa básica de juros a seu menor nível desde o Plano Real, em 1994.

Neste momento em que o BC inicia um ciclo de aperto monetário para conter pressões inflacionárias, o governo está fazendo uma nova mudança na meta fiscal do ano. Inicialmente, o valor que poderia ser descontado do superávit primário deste ano foi elevado de R$ 45,2 bilhões para R$ 65,2 bilhões, sob o pretexto de que esses R$ 20 bilhões seriam o espaço necessário para compensar as desonerações tributárias realizadas e a serem feitas para estimular a economia e resolver questões de competitividade da indústria nacional.

Agora, uma segunda mudança na LDO será feita para desobrigar a União a compensar a frustração da meta fiscal dos Estados e municípios. Isso significa que o governo não tem mais compromisso com a meta de 3,1% do PIB para todo o setor público. E, pelo menos até agora, não há compromisso do governo com qualquer meta, pois, pelo que está escrito na LDO, o superávit primário do governo federal neste ano poderá ficar entre R$ 108,09 bilhões e R$ 43,7 bilhões (os R$ 108,09 bilhões abatidos do desconto de R$ 65,2 bilhões).

Como os Estados e municípios também não estão obrigados a cumprir a meta a eles atribuída, não é possível saber qual é o compromisso do governo federal com suas receitas e despesas.

Esta é uma situação inusitada. Cabe ao governo ter metas transparentes para que a sociedade possa avaliar se elas são compatíveis com os objetivos tanto de estabilidade dos preços quanto de um crescimento sustentado e um país solvente.