Maior desafio é reconhecer setor externo como política pública

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A ascensão do Brasil como potência emergente, com expansão constante de mercado e atuação mais ativa em grandes fóruns e regiões, fez com que o país ganhasse mais visibilidade e reconhecimento internacional.  Prova disso é que, hoje, brasileiros como Roberto Azevêdo e José Graziano ocupam os mais altos cargos em entidades como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), respectivamente.

Apesar do patamar alcançado, especialistas ouvidos pela Agência Brasil avaliam que o país tem enfrentado dificuldades para continuar se expandindo. Segundo eles, o desafio da política externa brasileira nos próximos anos é se transformar em uma política pública, condizente com um mundo globalizado onde problemas locais repercutem em várias partes do planeta, inclusive na vida dos brasileiros.

Crises como a da Ucrânia, que afetaram as exportações brasileiras para aquela região, e a epidemia de ebola na África, que elevaram o alerta e a mobilização de recursos humanos nas fronteiras do país, são dois dos vários exemplos que comprovam como problemas aparentemente locais são cada vez mais globais, e exigem articulação política e econômica entre as nações.

Segundo o professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) Amado Luiz Cervo, referência na área de história das relações internacionais, o próximo governo terá o  desafio de manter diálogo com a sociedade, as lideranças sociais, os movimentos e setores dinâmicos da sociedade, como indústria e agropecuária, para transformar a política externa em uma política pública.

A professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio) Letícia Pinheiro, membro do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais, concorda que para enfrentar esse desafio é necessário ampliar a participação democrática na definição das diretrizes gerais da política externa brasileira, como fonte de credibilidade e autoridade para a posição que o país assume nos temas internacionais.

“Para tanto, é de máxima importância a criação e institucionalização de um mecanismo de ampla participação social – movimentos sociais, organizações não governamentais, organizações empresariais e sindicais, instituições de estudos e centros de pesquisa, entre outros – que contribua com o Itamaraty na definição dessas diretrizes. Refiro-me à criação do Conselho Nacional de Política Externa (Conpeb), de caráter consultivo, em moldes semelhantes aos já existentes conselhos nacionais de participação em outras políticas públicas”, defende Letícia.

Segundo o professor Amado Cervo, o Brasil tem uma política de segurança internacional coerente, sólida e condizente com sua identidade nacional, de país etnicamente heterogêneo e culturalmente plural, se opondo a sanções de qualquer natureza. Para ele, os desafios do próximo governo estão em aspectos ligados aos interesses econômicos do país. “O interesse econômico é o essencial porque dele dependem a renda, o emprego, o bem-estar da população”, justifica.

Para Cervo, é preciso, em primeiro lugar, “restabelecer a confiança dos investidores brasileiros e estrangeiros no país”. Em segundo lugar, o professor elenca a definição de “uma política de comércio exterior moderna”. Segundo ele, o fracasso do tratado global de livre comércio, mais conhecido como Rodada Doha, traz ao país a necessidade de seguir um novo caminho, adequado aos interesses brasileiros de exportação e importação que sirvam de combustível para o desenvolvimento do país. “As regras do comércio internacional se fazem à base de tratados regionais ou bilaterais de comércio. O Brasil relutou, nunca quis assinar. Então, não temos uma política de comércio exterior.”

Outro entrave, na avaliação dele, é a competitividade internacional do país – que já foi a economia mais internacionalizada do Brics (grupo formado pelo Brasil, a Rússia, Índia, China e África do Sul). De acordo com o professor, os benefícios da produtividade e competitividade que as empresas brasileiras alcançam em razão da sua penetração em cadeias produtivas globais não foram trazidos para o país. “É contra a natureza da internacionalização econômica. É estranho. O benefício da produtividade fora não reverteu para o aumento da produtividade interna. É preciso reverter isso.”

Cervo defende ainda que o Brasil defenda interesses próprios sem medo de desagradar parceiros importantes na América do Sul como a Argentina.  Ele pondera que isso não significa romper o entendimento político, comercial, econômico e na área de segurança com o país vizinho. “O desafio é desvincular decisões estratégicas, ou a estratégia brasileira de inserção internacional, sem chocar, sem melindrar a Argentina. Porém, desvincular e ter uma autonomia decisória própria”.

A especialista Letícia Pinheiro cita outros desafios como o fortalecimento das representações do país e o aumento do aporte de recursos nos principais organismos multilaterais, inclusive aqueles voltados a áreas mais específicas como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas (ONU).

Ela destaca ainda a necessidade de avanço nas discussões e na promoção de iniciativas rumo à criação de um marco global para a internet, com ampla participação dos países em desenvolvimento, a defesa do princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, no seio das negociações climáticas multilaterais, a consolidação da institucionalização do Banco do Brics e do Arranjo Contingente de Reservas, anunciados na cúpula de Fortaleza, em julho deste ano, tornando-os efetivos como complementos ao sistema financeiro global para os países em necessidade.

A professora da PUC-Rio ressalta também maior empenho na promoção de mecanismos de articulação entre os diversos arranjos regionais na América do Sul e América Latina, como a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e o Mercosul, para que a atual pluralidade não resulte em fragmentação e dispersão de iniciativas.

Letícia Pinheiro defende a criação de um marco regulatório para a política de cooperação internacional para o desenvolvimento. “[É] Uma das políticas de ponta na agenda da política externa brasileira dos últimos anos, buscando, dessa forma, uma coordenação mais eficiente e profícua das iniciativas tomadas pelas diversas agências do governo”, explica. Além disso, ela lembra a importância de mais investimentos nos organismos sobre saúde internacional e atenção à sua relação com os temas de direitos humanos e de segurança humana, em vista do indiscutível peso que essa área vem adquirindo na agenda global.