Somos deuses fracassados

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Autor(es): Leandro Marshall

Parece que perdemos a chance de transformar 2013 em ano histórico para o Brasil. Depois de o país, o velho gigante adormecido, ter se levantado em junho, em protestos que mobilizaram milhões de pessoas, estamos, ao que tudo indica, voltando à mesma vidinha de sempre em nosso miúdo e profano mundo social.

Mostramos, afinal de contas, que finalmente aprendemos a organizar protestos populares pelas redes sociais. As manifestações conseguiram mobilizar milhões de pessoas em todo o país, pela primeira vez. Tudo graças à vasta rede de smartphones, tablets, netbooks e a um espetacular sistema de gadgets eletrônicos adotados como parte da cultura tecno-eletrônica dos jovens de nossa época.

O problema é que a onda de protestos pode ter deixado como saldo apenas o fato simbólico de que o Brasil descobriu como se faz protestos. Sabemos nos mobilizar e nos organizar. Mas parece que não sabemos o que fazer quando temos “o poder da fala” em mãos.

Alguns dirão que conseguimos anular o aumento do preço da passagem em vinte centavos. Que conseguimos derrotar a proposta que queria promover a “cura gay”. Que derrubamos a malsinada PEC nº 37. Que o governo liberou R$ 50 bilhões para investimentos em transporte urbano. E que o Rio Grande do Sul aprovou passe livre para alunos carentes.

Eu lembraria, inclusive, a leitura de que o estopim social de toda essa movimentação de forças nasceu do mal-estar generalizado com o estado de coisas do país e teria sido imenso processo de catarse histórica e social, preso na garganta há mais de 500 anos.

Em 2013, teríamos assistido ao rompimento da maior represa psicológica de nossa história. E, quando os diques romperam, o povo deu vazão a todo tipo de silêncios, angústias, desgostos e amarguras acumulados nos últimos séculos. Um gigantesco processo de faxina nas feridas, nas bugigangas e nos traumas, guardados no fundo dos porões do mundo inconsciente.

E o que mais? O que foi plantado em 2013 e que ficará como conquista absoluta, sólida e permanente do povo brasileiro?

O problema é que tudo que conquistamos e tudo o que parece estar acontecendo pode indicar que nossos protestos podem ter tido apenas efeito moral, do mesmo modo e com o mesmo alcance que as bombas de efeito moral das tropas policiais.

Tudo pode não ter passado de um grande efeito moral que serviu para acordar e unir a população, mas que não resultou em mudanças práticas na corrente da história.

Será que 2013 foi apenas um grande processo de catarse social, vomitada pelos quatro cantos do país, depois de séculos de opressão?

Será que 2013 ficará para a história como o ano em que aprendemos que as redes sociais são ótimas para organizar e realizar protestos, mas que não sabemos o que fazer quando o protesto começa?

O que eu sei, efetivamente, é que a lista que descreve “como tudo continua na mesma” começa a crescer e não deve parar de aumentar até o fim do ano. O item 11 pode decidir como 2013 será lembrado:

1. A ideia do plebiscito para a reforma política não deu em nada. 2. O Congresso absolveu, em votação secreta, o deputado Natan Donadon, condenado pela Justiça a 13 anos de prisão. Ele está preso, mas continua deputado. 3. Nova denúncia descobre corrupção no Ministério do Trabalho. 4. O Brasil adota lei de que agora é ilegal protestar com rosto coberto. 5. Os policiais podem continuar a rechaçar o povo com o rosto coberto. 6. O Congresso aprova o orçamento impositivo. A partir de 2014, o presidente terá que pagar obrigatoriamente o dinheiro das emendas ao orçamento da União, enxertadas pelos deputados para beneficiar seus currais eleitorais. 7. O pastor Marcos Feliciano continua no cargo e foi esquecido. 8. O senador Renan Calheiros continua no cargo e foi esquecido. 9. Mensaleiros serão julgados novamente. 10. A Petrobras já avisou que o preço da gasolina vai aumentar até o fim de 2013. 11. Em decorrência do aumento da gasolina, as passagens de ônibus vão aumentar novamente, 20 centavos ou mais.

P.S.: O título deste artigo deriva de uma frase de Sartre, para quem o ideal do ser humano é transformar-se em um deus, mas que a imperfeição humana impede que se iguale a um ser perfeito.

LEANDRO MARSHALL Professor universitário