Quem controla as empresas estatais?

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Autor(es): Gil Castello Branco

O Estado de S. Paulo – 03/09/2012

 

O diplomata e economista Roberto Campos dizia: “A diferença entre a empresa privada e a empresa pública é que aquela é controlada pelo governo e esta, por ninguém”.

No Brasil, mesmo após as privatizações, ainda existem 123 empresas estatais que empregam mais de meio milhão de funcionários e movimentam, anualmente, cerca de R$ 850 bilhões, praticamente o valor do PIB da Argentina.

Apenas os investimentos das 73 estatais que integram o Orçamento-Geral da União (66 do setor produtivo e 7 do setor financeiro) são superiores aos investimentos federais dos Três Poderes. Em 2012, estão previstos para essas estatais investimentos de R$ 107 bilhões, enquanto para o Executivo, o Legislativo e o Judiciário a estimativa é de R$ 83,1 bilhões. Neste ano, tal como costuma acontecer, apenas os investimentos do Grupo Petrobrás (R$ 86,8 bilhões) devem superar todas as aplicações da administração direta federal.

No momento em que se afirma a importância dos investimentos públicos – diretos ou por meio de parcerias e concessões – no crescimento econômico do País, é oportuno observar o comportamento de algumas das empresas estatais no 1° semestre deste ano.

Apesar de os aeroportos serem considerados um dos maiores gargalos para a realização dos megaeventos esportivos que o País irá sediar, a Infraero, por exemplo, só aplicou R$ 369,9 milhões dos R$ 2 bilhões previstos (18,4%). Aliás, a Infraero vive, há anos, verdadeira “anorexia” quanto aos seus investimentos. Nos últimos 12 anos, somadas as dotações autorizadas pelo Congresso Nacional, chega-se a R$ 10,5 bilhões, enquanto as aplicações foram de somente R$ 5,4 billhões (51%). A diferença acumulaIda de mais de R$ 5 bilhões explica o caos nos aeroportos brasileiros. Imagine na Copa…

As Companhias Docas – sociedades de economia mista responsáveis pela administração dos portos – também permanecem atracadas com a inépcia, acumulando décadas de incompetência no desenvolvimento da infraestrutura e na gestão dos portos do Brasil. No 1° semestre de 2012, as sete Docas aplicaram só 7,5% (R$ 81,3 milhões) do orçamento de R$ 1,1 bilhão para empreendimentos que vão do Norte ao Sul do País. Com certeza, há algo de errado na previsão ou na execução. Ou em ambas.

Como os aeroportos e portos estão sucateados, tal como as rodovias e ferrovias, ninguém discorda do óbvio, ou seja, de que é preciso alterar o modelo de gestão das administrações portuária e aeroportuária. Quanto aos portos, seja qual for o desenho adotado, será necessário enfrentar a falta de coordenação entre os órgãos públicos instalados nos terminais, o loteamento político das empresas e o corporativismo dos funcionários. Isso para não falar do atraso tecnológico administrativo e operacional, fatos que, somados, colocam os portos brasileiros entre os 13 piores do mundo, numa lista de quase 150 países.

Quanto à modelagem dos aeroportos, é preocupante o aparente recuo do governo no que diz respeito ao formato das concessões. Diferentemente daquelas já efetuadas, na nova concepção a Infraero Participações (Infrapar) ficaria encarregada de buscar novos sócios entre operadoras de grandes aeroportos internacionais. Como o tempo urge, resta saber se haverá interesse de grupos estrangeiros em se associar ao filhote da Infraero, verdadeiro sinônimo de incompetência.

As maiores estatais brasileiras também não estão imunes aos problemas. Os investimentos do Grupo Eletrobrás atingiram, no primeiro semestre, R$ 2,1 bilhões, valor correspondente a 20,8% do orçamento anual de R$ 10,3 bilhões.

Trata-se da pior execução orçamentária dos primeiros semestres desde, pelo menos, 2001. De fato, várias obras esbarram em questões legais. A Usina de Belo Monte disputa espaço com os indígenas. A Usina de Angra III aguarda julgamento de recurso interposto por uma concorrente na licitação. A concorrência para a construção de uma termoelétrica a gás natural em Manaus foi suspensa pelo Tribunal de Contas da União por irregularidades na proposta vencedora. Enfim, nos últimos 12 anos, de cada R$ 10 previstos para investimentos, só R$ 7 foram aplicados pelo Grupo Eletrobrás.

Na Petrobrás, “sob nova direção”, ficou clara a ingerência política durante a administração de Gabrielli, fato que obrigou a revisão realista dos programas de investimentos e metas de produção. A franqueza da presidente Graça Foster ao anunciar o prejuízo do trimestre abril/junho – o primeiro em 13 anos – confortou o mercado e acionistas. O compromisso de não repetir os erros passados também contribuiu para valorizar as ações da estatal. Espera-se, agora, que a transparência vire regra.

Aliás, no tocante à transparência, no primeiro dia da vigência da Lei de Acesso à Informação (Lei n.° 12.527), a Associação Contas Abertas solicitou a diversas estatais o Programa de Dispêndios Globais (PDG), conjunto sistematizado de informações econômico-financeiras relacionado às receitas, dispêndios e necessidades de financiamento de cada empresa. A Petrobrás, porém, negou o pedido sob a alegação de que “a informação não podia ser fornecida por comprometer a competitividade, a governança corporativa e/ou os interesses dos acionistas minoritários”.

Na verdade, um dos fatores que comprometem a governança é, justamente, a falta de transparência. Os investimentos das estatais em julho, por exemplo, só serão conhecidos no fim de setembro, quando o Ministério do Planejamento emitirá nova portaria.

Considerando os investimentos de R$ 110,6 bilhões previstos para 2013 – comparáveis aos R$ 133 bilhões do Programa de Investimentos em Logística, esperados em 30 anos, por meio das recém-anunciadas concessões de rodovias e ferrovias -, torna-se necessário o acompanhamento permanente dos planos e projetos das estatais. A frase de Roberto Campos continua atual, mas já é tempo de as empresas públicas serem controladas pela sociedade.