Alvo certo :: Amir Khair

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Amir Khair[1]

O Estado de S.Paulo – 18/12/11

 

Chama a atenção que a maioria das matérias econômicas que trata da taxa de juro se refere sempre à Selic. Quando aborda a famosa taxa de juro neutra (?) – considerada como a mínima para que não ocorra inflação – se refere, também, sempre à Selic. O mesmo ocorre quando se trata da inflação e do crescimento econômico. Tudo é Selic, como se fosse a variável macroeconômica que dá solução para todos os problemas da economia.

Em agosto, quando o Banco Central (BC), contrariando as previsões do mercado financeiro, iniciou o processo de redução da Selic, a polêmica girou em torno da retomada do processo inflacionário – dos que discordaram dessa redução – e do impacto da crise europeia, ajudando a conter o ímpeto inflacionário, que foi a posição do BC e do governo favorável à redução da Selic.

Enfim, tanto uns como outros sempre apostam suas fichas na milagrosa Selic, para o bem ou para o mal. Porque será? Será que é para não botar o dedo na maior distorção da economia brasileira que é a taxa de juro cobrada pelo sistema financeiro ao consumidor?

Sobre essa questão vale destacar uma modalidade de crédito muito usada pelas pessoas, que é o cheque especial. O último levantamento feito do BC junto a 31 bancos se refere ao período de 23 a 29 do mês passado. As taxas de juros variavam desde 2,24% ao mês no Banco Cruzeiro do Sul, primeiro lugar no ranking até 10,32% no Santander, o último colocado. A Caixa figurou em 18º lugar com 8,12%, o Banco do Brasil (BB) em 21% com 8,80%, o Bradesco em 24% com 8,87%, o Itaú em 25% com 8,93% e o HSBC em 29% com 9,97%.

Vê-se por aí que o abuso é geral envolvendo, inclusive, as instituições oficiais. Isso confirma o descaso do governo com essa questão. É uma afronta à sociedade que se vê totalmente desprotegida por regras que impeçam a prática abusiva dos bancos.

O Brasil figura disparado na comparação internacional, como tendo o sistema financeiro que pratica a maior taxa de juro ao consumidor do mundo. As estatísticas revelam que isso ocorre, pelo menos, desde 2000, sem perder essa posição em nenhum mês até hoje. Pior, desde 2004 tem, na média, o dobro da taxa do segundo colocado, o Peru! Para efeito de comparação, serve também o fato dos países emergentes operarem com uma taxa média de juro para o consumo de 10% e os desenvolvidos 3%. A nossa em outubro bateu em 47%, quase cinco vezes maior que a dos emergentes e dezesseis vezes a dos desenvolvidos!

Porque é importante essa questão? Porque a taxa de juro ao consumidor é o mais poderoso freio da economia por encarecer o crédito, retirando poder aquisitivo do consumidor. De nada adiante ampliar o crédito, como pretende o governo, com a taxa de juro escorchante, que está aí. É submeter a parcela da população de renda média e baixa, que mais usa o crediário, a cair na inadimplência e perder seu poder aquisitivo.

É sabida a importância do crédito como um dos motores importantes para a expansão do consumo, mas pouco se fala sobre a qualidade desse crédito e o quanto ele carrega de redução do poder aquisitivo da população.

Ora, para ampliar o consumo, como quer o governo, a primeira medida seria a redução da taxa de juro para o consumidor. E aí cabe a pergunta: porque o governo nunca fez nada para corrigir essa anomalia? Será que é por temer um confronto direto com o mercado financeiro? Creio que sim. Por isso, quando fala em taxa de juro, se refere sempre à Selic. É necessário reluzi-la? Sim, será um alívio para as despesas do governo, estímulo ao investimento privado, desestímulo à especulação externa contra o real e melhora nas contas externas.

Mas se é certo reduzir a Selic, como está fazendo o governo, mais necessário ainda é reduzir a taxa de juro ao consumidor. Isso irá ativar o consumo, reduzir a inadimplência e estimular os investimentos, que só interessam às empresas se pode dar rendimento maior do que o proporcionado com aplicação na Selic.

Com a crise europeia batendo na porta, e sem possibilidade de saber que desdobramento terá sobre o País, é urgente, para se contrapor aos seus efeitos sobre a atividade econômica, desenvolver o mercado interno, que apresenta bom potencial a ser explorado. Para isso, políticas de distribuição de renda, desoneração tributária sobre bens de consumo popular e rebaixamento dos custos que mais incidem sobre o orçamento doméstico, como alimentação, transporte, habitação, medicamentos, comunicação, energia elétrica e consumo de água são importantes para ampliar a capacidade de consumo e poupança da maioria da população. E, sobre tudo isso pouco se fez até hoje.

Essas medidas, no entanto, dependem da existência de recursos por parte do governo e, por essa razão, são mais limitadas em seu alcance e levam mais tempo para surtir efeito. De efeito imediato e com repercussão ampla e de maior intensidade é a redução da taxa de juro ao consumidor. Mas aí vem a pergunta: como reduzi-la? Um processo de redução irá ocorrer em consequência da queda da Selic, pois os bancos vão ter menos ganhos nas aplicações em títulos do governo e, para compensar, irão deslocar mais recursos para operações de crédito. Isso irá aumentar a oferta de crédito e ampliar a concorrência bancária, com redução da taxa de juro.

Pode-se destacar entre as medidas que podem ser tomadas pelo governo, duas que têm efeitos imediatos e de maior alcance. A primeira é a redução da taxa de juro nas instituições oficiais BB e Caixa, que, como visto, se encontra elevada. A segunda é estabelecer regra diferenciada de depósito compulsório dos bancos no BC. Quanto menor a taxa de juro praticada pelo banco, menor o percentual de depósitos a vista e a prazo que terá que efetuar no BC.

A economia está caminhando rapidamente para a estagnação, independentemente da crise europeia e isso se deve ao crédito caro. Os dados do último trimestre sobre a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) e a previsão do BC na prévia sobre o crescimento em outubro, mostram um cenário desanimador, bem abaixo das expectativas do mercado.

Se o governo não intervier rápida e eficazmente nessa área não vai adiantar botar a culpa na crise externa e/ou em outro fator interno. É necessário mirar e atirar firme no alvo certo: a taxa de juro ao consumidor.