Um concurso que resume o drama do Brasil

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Há poucos dias, o Brasil viveu uma situação que comprova como a sociedade ainda se apoia no emprego público como uma oportunidade para garantir um futuro melhor. Foi realizado a Prova Nacional Docente, exame conduzido nacionalmente pelo governo federal para pré-selecionar professores aptos a trabalhar nas redes municipais e estaduais de ensino espalhadas pelo país.

Este ano, a prova atraiu pouco mais de 1 milhão de candidatos. São nada menos que 1 milhão de brasileiros e brasileiras interessados em conquistar uma vaga de professor nas precárias redes de ensino público existentes no Brasil. As vagas que eles pleiteiam são em sua maioria para 40 horas semanais, cujo piso salarial nacional hoje é de R$ 4.867. Porém, sabemos que muitos municípios pagam menos do que isso.

Muita gente disputando cargos sabidamente exigentes (muitos alunos por turma, casos de violência ocasionais etc), por um salário insuficiente para dar conta de uma vida econômica mediana nos dias atuais. Ficamos nos perguntando: por que tantos brasileiros ainda fazem essa opção?

Nossa hipótese tem a ver com a importância do Estado para a vida do cidadão brasileiro. O Estado ainda é percebido como um degrau para a elevação do padrão de vida, no sentido de que trabalhar em um emprego público, mesmo que mal remunerado, é uma porta para um futuro melhor.

A estabilidade, a possibilidade de obter financiamentos imobiliários em melhor condição, a chance de planejar a vida em prazos mais longos, tudo isso são elementos ainda verdadeiros que ajudam a explicar como e porque o pobre povo brasileiro ainda percebe nas carreiras públicas uma oportunidade interessante.

Esse é o Brasil real, o Brasil das ruas, cidades e territórios onde vive o povo, a sociedade, os trabalhadores.

Enquanto isso, em Brasília, discute-se uma reforma administrativa que pode justamente minar um pouco mais essa credibilidade que o Estado tem na consciência do cidadão. Atacar o serviço público, suas condições de trabalho e remuneração, a pretexto de resolver um problema fiscal que tem sua origem em uma estrutura de apropriação do público pelo privado em larguíssima escala, é um acinte inaceitável.

A reforma administrativa que vem sendo discutida contrasta de forma aberrante com a realidade de 1 milhão de professores brasileiros disputando poucas vagas abertas em redes públicas de ensino. Numa prova, aliás, que muitos comentaram ter sido difícil e exigente.

Não se pode exigir tanto de quem tem tão pouco sem prometer uma condição realmente melhor, como os professores. Por outro lado, não se pode exigir tão pouco de quem tem tanto, como hoje acontece com detentores da dívida pública e outros privilegiados que jamais são objeto de restrições por parte dos políticos.

Uma reforma administrativa pensada para apoiar as maiorias sociais deveria priorizar a qualificação dos servidores, em lugar da precarização. Deveria intensificar o atendimento público em áreas essenciais, em lugar de arriscar uma piora nas entregas com servidores temporários ou sem estabilidade. Deveria, finalmente, compreender que a população brasileira vê no Estado uma forma de construir sua vida prestando auxílio ao restante da sociedade em funções de alta relevância. Isso é um ativo que deveria ser valorizado por todos nós.

Tudo parece virado de ponta cabeça no Brasil. Restaurar esses valores é uma questão de justiça histórica e de cidadania. Precisamos manter esse debate vivo e seguir lutando do lado daqueles que fazem o Brasil.