Atenção para a falácia tributária e a agenda anti-Estado

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Tornou-se comum no Brasil responsabilizar a carga tributária pelas dificuldades relacionadas ao crescimento econômico e geração de oportunidades melhores para todos. Segundo essa visão, se o Estado cobrasse menos impostos, tudo iria melhor no país. Trata-se de uma evidente simplificação, mas com intenções às vezes não tão evidentes. Por trás da campanha por redução radical e permanente da carga tributária, esconde-se um aspecto da tentativa de precarizar as funções do Estado perante a sociedade.

Quando analisamos o problema tributário brasileiro sem a interferência desta agenda ideológica, é forçoso reconhecer que há muitos outros problemas envolvidos. É possível criticar as diversas distorções tributárias do país sem cair na posição anti-Estado. Principalmente ao entender que, da massa de tributos arrecadados anualmente, a imensa maioria provém dos setores menos favorecidos da sociedade.

Sim, a maior das distorções tributárias do Brasil — e a mais perversa — é que quem ganha muito paga menos do que quem ganha pouco. É a chamada tributação regressiva. Como sabemos, isto acontece porque os tributos incidem mais sobre consumo e produção do que sobre renda. Assim, a maioria da população paga a maior proporção dos impostos arrecadados, pois eles são cobrados nas relações de consumo diário. Assim como as empresas da economia real são tributadas em larga medida nas relações de compra e venda relacionadas às suas atividades. Enquanto isso, o imposto sobre a renda não cobre diversas fontes de renda especulativa (como dividendos e várias aplicações financeiras), além de permitir uma série de brechas de que os mais ricos se aproveitam para pagar menos.

Para não falar na questão específica da tabela do IR retido na fonte: ao uniformizar a alíquota máxima a partir de um patamar de renda baixo, o sistema trata desiguais como iguais, afetando desproporcionalmente mais aqueles que ganham pouco acima da alíquota. E conforme o sujeito ganha mais, menos afetado ele é em relação à sua renda total.

Portanto, é necessário fazer a critica do sistema tributário, mas sem cair em simplificações que só interessam àqueles que desejam usar esse argumento como agenda anti-Estado. E se os servidores públicos deixarem que isso aconteça, será mais difícil defender nosso trabalho e os serviços públicos prestados à sociedade no contexto da reforma administrativa.

A população brasileira necessita profundamente dos serviços públicos prestados com qualidade. As maiorias sociais são usuárias de hospitais e escolas públicas. A segurança pública vive uma crise permanente. Se, por causa de um argumento falacioso sobre o sistema tributário, aceitarmos a precarização destes serviços como pretende a reforma administrativa, estaremos aceitando colocar em risco os setores sociais mais vulneráveis. Ironicamente, aqueles setores que já são os que mais pagam impostos no país.

Corrigir distorções é uma coisa, precarizar o Estado a pretexto de corrigi-las é outra bem diferente. A reforma administrativa vem aí com intenções de terceirizar serviços essenciais prestados pelo Estado. É hora de lembrar quem paga mais e quem paga menos imposto, para que mais adiante não venham usar o argumento da “carga tributária” para atacar servidores e as capacidades do Estado, como se a carga tributária em si não refletisse as enormes desigualdades do Brasil.