Evolução no serviço público

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Para o senso comum, o serviço público é sinônimo de burocracia e estagnação. No entanto, servidores que amam aquilo que fazem buscam capacitação e se esforçam pelo melhor desempenho provam que essa não é a regra geral. O esforço é reconhecido com evolução na carreira e em cargos de confiança. Subsecretária de Gestão de Pessoas do Governo do Distrito Federal (GDF), Ledamar Rezende, 47 anos, é exemplo de dedicação e trilhou um caminho de cresci- mento ao longo de 18 anos. “Comecei numa função de nível médio e fui galgando posições melhores por mérito. Substituí minha primeira chefe, depois me tornei assistente, assessora, gerente, diretora, coordenadora e, por fim, subsecretária”, conta. A dedicação da servidora não se limita à repartição e chega às salas de aula: depois de aprovada no concurso, fez faculdade de administração e duas pós-graduações, em administração pública e em gestão de pessoas, e é professora voluntária na Escola de Governo do Distrito Federal. “Sou feliz no que faço, adoro a área de gestão de pessoas. Meu papel é dar o melhor para a sociedade.” Sobre a estagnação, ela diz que é uma generalização, mas aponta que depende da vontade de cada um: “Em qualquer lugar, mesmo na iniciativa privada, alguns carregam o piano mais que outros”.

“Há estereótipos sobre o servidor público. Há muitas funções realizadas de forma competente e, em qualquer contexto, encontramos pessoas motivadas e desmotivadas”, defende o presidente da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), Gleisson Cardoso Rubin. Apesar dos problemas, ele observa mudanças positivas na administração pública nos últimos tempos. “De uns 15 anos para cá, as organizações têm absorvido a ideia de perseguição de metas e eficiência, o que se reflete em to- dos os aspectos”, conta. Um dos grandes incentivos para a busca por melhores  resultados  é a chance de promoções. “No serviço público há dois tipos de crescimento. O primeiro é por tempo de permanência e cumprindo os requisitos. Existe também uma carreira paralela, que funciona de modo semelhante à iniciativa privada: são oportunidades em cargos de chefia e direção, conquistadas com bom desempenho, demonstrando liderança,  trabalho  em equipe e inteligência emocional.”

Busca por inovação

Servidor público há 25 anos, o economista e doutor em administração Ciro Campos Chris- to Fernandes, 44 anos, trabalhou em diversos órgãos, como os ministérios da Previdência, do Trabalho e do Planejamento, sempre buscando a inovação.“Há mui- tos casos de servidor mal aproveitado e de falta de perspectiva de carreira, mas a ideia da estagnação, de que estamos ali acomoda- dos e carimbando papel, é falsa”, garante ele, que, hoje, é assessor da presidência da Enap. Para fugir da mesmice, Ciro investe na troca de experiências por meio de eventos como o Congresso de Gestão Pública do Conselho Nacional de Secretários de Estado de Administração Pública (Consad). “Participei de todas as sete edições e, na oitava, vou apresentar um trabalho. É um espaço para ver o que está sendo feito por aí, conhecer outros servidores, parar e refletir sobre o próprio trabalho e melhorar.”

Alice Viana, presidente do Consad, avalia que faltam profissionalização e orientação no serviço público. “As práticas administrativas precisam ser aprimoradas para trazer mais eficiência na prestação de serviços”, avalia. Além de mudanças no topo, a base precisa correr atrás do prejuízo. “Vejo servidores com vontade de fazer diferente, mas falta profissionalização. É por isso que a capacitação e o intercâmbio em congressos como o do Consad, por exemplo, são fundamentais”, defende a secretária de Administração do Pará e servidora do Poder Judiciário. Segundo Alice, a revolução do serviço público só virá com uma mudança na visão sobre o governo. “Falta respeito por aquilo que é público. É preciso parar de enxergar o Estado apenas como empregador e passar a vê-lo como um prestador de serviço coletivo do qual faze- mos parte”, explica.

Capacitação

“Eu trabalhava como psicóloga organizacional na iniciativa privada e sofri um choque  de realidade. Os processos são lentos, e você tem que desviar da burocracia”, conta Elke Fernanda do Nascimento, 37 anos, que é técnica-administrativa no Departamento Nacional de Infraestrutura  de Transportes (Dnit) há um ano e meio. Para se adaptar, ela fez quatro cursos presenciais em gestão de pessoas na Enap.

“Procurei capacitação e vi efeitos positivos. Muita gente faz pensando na promoção vertical. Não é meu caso: busco eficiência. Mostrar resultados sempre foi importante para mim, até porque, na iniciativa privada, quem não trabalha bem vai para a rua, não é instituição  de caridade.” Gleisson Cardoso Rubin, presidente da Enap, explica que muitas capacitações ofertadas pela  escola são feitas de acordo com a demanda dos órgãos. “ Temos retorno  positivo, e os funcionários apresentam melhores resultados.”

Expandindo horizontes

Ficar parada não faz parte do dia a dia de Marcela Carvalho, 33 anos, analista de comércio exterior no Ministério do Desenvolvi- mento Indústria e Comércio Exterior (Mdic) desde 2003. “A ideia de que servidor público trabalha pouco é enganosa:  nunca saio daqui antes das 18h.” Ela ainda estava na faculdade de relações internacionais em Recife, quando foi incentivada por um professor a prestar o concurso. “Fiz sem estudar e, como a nomeação de- morou, consegui me formar a tempo. Quando cheguei, nem conhecia a carreira direito e me surpreendi positivamente: é muito melhor do que eu pensava”, diz. Até 2010, ela atuou na assessoria internacional do ministro, época em que fazia cerca de quatro viagens internacionais por mês e chegou a chefiar a área. “Conheci todos os países do Mercosul, vá- rios da Europa e da África, mas esse não é o principal atrativo do trabalho. É uma carreira dinâmica sem correspondência na iniciativa privada. Representar o país lá fora em negociações é uma grande responsabilidade. Você tem que dominar várias áreas, e o conhecimento de idiomas se faz necessário”, conta Marcela, que fala inglês e espanhol e também estudou russo. A analista coordenou o setor de comércio exterior do Ministério do Planejamento e, desde 2014, atua como assessora especial na Câmara de Comércio Exterior (Camex).

A carreira de especialista em políticas públicas e gestão governamental permite passagens por diversos órgãos. Na função desde 2004, Alex Canuto, 39 anos, atuou nos ministérios da Justiça e do Planejamento. Sempre em busca de melhorar, usou uma licença para fazer mestrado em administração pública na Hertie School of  Governance   em   Berlim. “Aprendi a visão de políticas públicas de um outro ponto de vista e adquiri conhecimentos úteis ao trabalho.” Ele gosta da função, mas admite que há dificuldades. “Por interesses políticos, podem te jogar em qualquer geladeira. Você não pode se acomodar e achar que as coisas vão cair no seu colo, servidor público precisa ter iniciativa para crescer”, revela.

Palavra de especialista

Um mal a ser combatido

Os bons servidores carregam a repartição nas costas, enquanto os maus exemplos mancham a imagem dos demais. Muitos entram predispostos a se escorar porque sabem que terão estabilidade e não sentem que têm motivos para se reciclar. Boa parte se esquece de que há chances de crescimento ao prestar um bom ser viço. É um ambiente propício a picuinhas e é comum  querer derrubar o chefe que exige qualidade. A presunção da impunidade e a escassez de um gestor que tenha coragem de com- bater esses indivíduos  dificulta, mas, mesmo com processos administrativos burocráticos, vale a pena lutar para melhorar. Edson de Carvalho Silva, autor do livro Serviço público — carreira ou estagnação (Editora Canal 6, 104 páginas).

Fonte: Correio Braziliense