Entrevista – Mansueto Almeida
A alta de 1,5% no Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre, divulgado na última sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), surpreendeu Almeida, que previa uma elevação de, no máximo, 1%, mas não o empolgou. “Esse PIB não sinaliza que o país entrou numa rota de crescimento robusto. Ao contrário. É um ponto fora da curva”, afirma. O economista prevê queda no ritmo de crescimento no terceiro trimestre e aposta que a expansão acumulada no ano ficará em torno de 2%.
Técnico de Planejamento do Instituto de Pesquisa Econômica Avançada (Ipea) e integrante da Diretoria de Estudos Setoriais e Inovação do órgão, Almeida é um dos principais especialistas do país na área fiscal. Ele destaca que, ao final de apenas quatro anos de mandato, Dilma terá promovido um aumento dos gastos públicos praticamente igual ao realizado pelos últimos três governos. A seu ver, falta na equipe da presidente um bom formulador de política econômica.
Na avaliação do especialista, diante do forte avanço nos gastos, não há como evitar um ajuste fiscal, que pode até levar o país a uma recessão. Como 2014 é um ano eleitoral, esse acerto ficaria para 2015, seja qual for o governo. A curto prazo, diz ele, o Banco Central é que fará o trabalho sujo, elevando a taxa básica de juros (Selic) até, no máximo 12%, para tentar segurar a inflação no teto da meta até o pleito. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Correio:
Como avalia o resultado do PIB do segundo trimestre, que ficou acima do esperado até mesmo pelo governo?
O resultado surpreendeu, mas o acumulado de quatro trimestres ainda é baixo, de 1,9%. O país saiu de um ritmo de expansão de 4% ao ano para 2% a 2,5%, no máximo. É muito baixo. Havia um bom ponto de partida. O mercado de trabalho ainda está aquecido. A parte ruim é que o gasto público no Brasil foi planejado com base em uma economia que deveria crescer 4%. Mas um país que avança metade disso não comporta os gastos que vem sendo feitos. Está ocorrendo um brutal aumento da despesa, e o governo fica sem espaço para elevar o investimento público e reduzir a carga tributária.
Mas não é positivo ver que o país cresceu mais que outras economias desenvolvidas?
Não acho bom fazer comparações com Coreia do Sul e Estados Unidos, por exemplo. Os EUA têm PIB per capita de US$ 49,8 mil. Para um país rico, ter uma taxa baixa de expansão é normal. Para a economia americana, 2,5% é um senhor crescimento. Para o Brasil, não. Temos uma renda per capita pouco acima de US$ 10 mil. O Brasil não pode se dar ao luxo de crescer tão pouco.
Pode-se dizer que é um “pibão” que não empolga?
Mais ou menos isso. Parece um ponto fora da curva do que uma tendência. E esse é o problema. O PIB do segundo trimestre não refletiu a recente valorização do dólar. No terceiro trimestre, haverá queda. Esse PIB não sinaliza uma rota de crescimento robusto, ao contrário. Ninguém vai aumentar a projeção de que o país vai crescer 3% ao ano por causa desse resultado.
Mas como interpretar esse aumento da taxa de investimento no segundo trimestre seguido?
É muito bom, mas a grande dúvida é se isso vai se manter. A taxa trimestral do investimento é de 18,6% do PIB. No terceiro trimestre de 2008, era 20,6%, depois caiu, deu uma recuperada, mas ainda continua abaixo de 20%. Para se ter uma ideia, a média dos países vizinhos da América do Sul é de 22% a 23% do PIB. Ninguém sabe como vai ser o comportamento daqui para a frente. Os indicadores antecedentes, de nível de confiança, de nível de estoque da indústria, não sinalizam para uma economia aquecida.
Com relação ao Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2014, enviado ao Congresso Nacional, o senhor concorda com as críticas de que nada é factível?
Tradicionalmente, ele é uma peça de ficção. Contingenciamento de verbas deveria ser um instrumento esporádico. No Brasil, não é isso o que acontece. O governo sempre manda o Ploa com parâmetros inflados, muito maiores do que a capacidade de execução. Aí, logo no início do ano, sai o contingenciamento. Além de várias despesas serem alteradas no Congresso por emendas parlamentares, ainda há os parâmetros irreais, como a previsão de inflação de 5% e de PIB de 4%. Ninguém acredita nisso. No ano passado, quando enviaram o Ploa de 2013, a ministra Miriam Belchior (do Planejamento) falava que o deficit nominal do Brasil cairia neste ano para 1% do PIB e alguns técnicos diziam que ele seria zerado no fim do governo. Mas esse saldo corre o risco de ir para mais de 3% do PIB este ano. Em 2012, foi de 2,5% e o Orçamento previa 1,6%.
Na sua avaliação, o que mais preocupa nas contas públicas?
Várias coisas. em primeiro lugar, estão aumentando as despesas permanentes. Elas cresceram 13%, para R$ 57,8 bilhões, de janeiro a julho deste ano. Enquanto isso, o investimento subiu R$ 26,5 bilhões, ou seja, apenas 0,1%. Todos os gastos de política social são permanentes. Se o governo quiser fazer um ajuste rápido, vai ter que cortar um item que não está crescendo, que é investimento, e isso é ruim. O padrão de aumento do gasto torna muito difícil esse ajuste. O segundo ponto é que a despesa cresce num ritmo que só seria compatível com um avanço da economia de mais de 4% ao ano, o que não é o caso. As previsões de inflação e de avanço do PIB, incluídas no Ploa, implicariam que o PIB nominal estaria crescendo perto de 10%, e essa não é a realidade. Para ser mais claro, o crescimento do gasto público não cabe no PIB.
E o que isso significa?
Como proporção do PIB, em 2014, o gasto público não financeiro do governo Dilma vai crescer em torno de 2%. Pelos meus cálculos, a despesa primária cresceu 2,4% entre 1998 e 2010. Ou seja, em apenas quatro anos, ela gastou quase o mesmo que três governos em 12 anos. É um crescimento brutal. Em 2011, Dilma entregou um superavit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) de 3,1% do PIB. Se a arrecadação não aumentar, esse saldo ficará próximo de 1% até 2014. Se o país crescesse 4%, o governo não teria nenhum problema fiscal. Superavit é receita menos despesa, sem considerar os juros da dívida. Esse custo financeiro, em proporção do PIB, vai crescer em torno de 2%. O que define o superavit é o crescimento da arrecadação.
E qual será o superavit deste ano?
Neste ano, o governo vai conseguir entregar o primário de 2,3%, por conta de uma série de receitas atípicas, como concessões, royalties e dividendos de estatais. No próximo, ninguém sabe. Mesmo a meta que eles divulgaram no Orçamento, de 2,1% do PIB, é difícil de ser atingida, diante dos últimos dados do Tesouro Nacional. As despesas crescem muito mais que a receita.
E qual é a conclusão que se pode chegar em relação às contas públicas? O país caminha para a insolvência?
Eu não diria isso. Mas ele vai para um cenário em que não haverá espaço para a redução da carga tributária. Um superavit primário cada vez menor significa que também não haverá espaço para aumentar o investimento público. A dívida líquida caiu, mas a bruta cresceu porque o governo começou a emitir títulos para captar recursos e emprestá-los aos bancos públicos. Essa operação não é neutra. A dívida líquida está em 34% do PIB, mas a taxa de juros é de 15% desde 2002. Isso quer dizer que a queda da Selic não afetou o custo. Nossa dívida está acima dos padrões internacionais. A dívida bruta também é alta. Está em 58,5% do PIB, pelos cálculos do governo. É a maior da América Latina. A média dos países emergentes é 35% do PIB.
Quer dizer que a presidente gerentona é perdulária com o dinheiro do contribuinte?
Teoricamente, é exatamente isso. Ela assumiu pensando que teria uma economia crescendo 4% a 4,5%. De repente, quando terminar o mandato e olhar para trás, vai notar que estava com um país com uma expansão de 2% a 2,3%. O gasto público vem crescendo acima de dois dígitos. Acho muito difícil reverter isso neste ano e no próximo, porque existem itens novos, como a conta de energia, a desoneração da folha de pagamento e o programa Minha Casa, Minha Vida. Tudo isso pressiona o gasto. E, em 2014, o gasto público ainda vai aumentar. Nas últimas eleições, as despesas primárias subiram 14%.
Por que a equipe econômica insiste em fazer projeções fora da realidade?
Falta pé no chão. Infelizmente, eles dormiram no ponto ao não fazer as concessões de infraestrutura logo no início do governo. Deixaram para o último ano, depois de três períodos de crescimento ruim. Erraram em dados básicos de planejamento, principalmente com uma presidente que era a gestora de todos os projetos do PAC. Eles superestimaram a capacidade do setor público em investir e a folga fiscal necessária para isso. O governo tem um problema de gerência muito sério. O Lula até foi uma surpresa. Ele acabou sendo um bom gerente travestido de político. A Dilma, que a gente esperava que fosse uma boa gerente, se tornou muito mais uma política travestida de gerente.
Qual o cenário do próximo ano?
As circunstâncias hoje são melhores do que em 2002, mas há novos desafios. Naquela época, a economia internacional estava muito melhor, e havia os efeitos positivos das reformas dos anos anteriores. Agora, sem as reformas, a economia internacional está pior. A recuperação dos EUA afeta negativamente a economia brasileira a curto prazo. O cenário para 2014 não é promissor. Estamos esperando ajuste fiscal forte, em 2015, seja qual for o governo. E poderemos ter recessão. A dúvida é se o país aguenta sem nenhuma sinalização até lá. É um debate em aberto. Qualquer ajuste, agora, será visto como medida impopular e vai atrapalhar a reeleição. O peso desse ajuste de curto prazo vai cair nas costas do Banco Central. As taxas de juros vão ficar mais altas, mas abaixo de 12% ao ano, apenas para que a inflação não ultrapasse o teto da meta (de 6,5% ao ano). Com isso, a única saída para o governo, a curto prazo, é a agenda de infraestrutura. É a última bala na agulha.
Mas os leilões podem ser frustrados?
Podem. Tem um bocado de coisa que não se sabe. O próprio governo, toda semana, vem com uma ideia nova para tentar aumentar a rentabilidade dos projetos e diminuir o risco para a atrair o setor privado, mas ninguém sabe se isso vai dar certo ou não. O novo modelo de ferrovia é extremamente interessante no papel, mas, na prática, causa muito contencioso jurídico. Ninguém sabe muito bem como é que essas coisas serão solucionadas aqui. O governo tem que estruturar o leilão e deixar que ele defina a taxa de retorno dos projetos, dar crédito e bola prá frente. Essa é a única coisa que pode elevar a taxa de investimento de curto prazo do Brasil. O resto é incerto.
Está mais difícil vender o Brasil lá fora?
Sim. Não dá para passar um cenário positivo, a não ser que você seja do governo. Em alguns setores, como serviços e indústria extrativa, o interesse não depende da questão regulatória e do ambiente de negócios. O leilão de petróleo vai ser o de maior sucesso, mesmo que seja muito ruim para algumas empresas privadas. Há investidores, como a China, que estão mais preocupados com o acesso ao recurso do que com a taxa de retorno. O Brasil é uma economia cara, que gasta muito e tem uma poupança interna muito baixa, de apenas 16,6% do PIB. Vai precisar do resto do mundo para crescer.
Se o governo não fizer nada até 2014 na área econômica, qual seria a principal medida para melhorar a confiança do investidor?
Seria uma melhor comunicação com o mercado e colocar uma agenda positiva para o próximo governo. Contabilizar todos os custos dos subsídios. Sinalizar que vai parar com todos os empréstimos aos bancos públicos até 2016 e fazer isso apenas em circunstâncias excepcionais. Não vai ser fácil. Eles passaram os últimos quatro, cinco anos, exagerando e comendo todo o espaço fiscal que existia, fazendo truques que minaram a confiança que se tinha na área econômica. Reverter isso vai ser difícil. Seria preciso conseguir pessoas novas. Não estou falando do ministro (da Fazenda Guido Mantega), mas de pessoas abaixo dele. Hoje, não existe um grande formulador de políticas econômica na Fazenda. Tinha um, independente de concordar ou não com o que ele pensava, que era o Nelson Barbosa.
O projeto do Orçamento Impositivo, aprovado recentemente na Câmara, pode atrapalhar mais ainda as contas públicas se passar pelo Senado?
Se isso for aprovado, vai ter que mudar um bocado de coisas. Aí o governo vai ter que começar a discutir um Orçamento mais sério antes de enviar ao Congresso. Porque, se as emendas forem impositivas, ele não vai poder deixar de executar. Se passar no Senado, é uma bomba para o governo. Dilma vai vetar.