Dinheiro público para entidades privadas

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Autor(es): Por Ribamar Oliveira

Muita falta faz o ex-deputado Sérgio Miranda na Comissão Mista de Orçamento do Congresso, principalmente neste momento em que se discute a lei de diretrizes orçamentárias (LDO) de 2014. Miranda, que morreu no fim do ano passado vítima de um câncer fulminante no pâncreas, lutou com grande empenho para proibir a transferência de recursos públicos a entidades privadas sem fins lucrativos para a construção de escolas, hospitais ou quaisquer outras instalações.

Ele conseguiu, com a ajuda de outros líderes. A proibição constou pela primeira vez na LDO de 2000. A regra foi mantida inalterada por mais de uma década. As LDOs que se seguiram autorizaram apenas a transferência de recursos públicos a essas entidades privadas para a compra de material permanente e a aquisição e instalação de equipamentos e manutenção dos já existentes, de forma a não interromper os serviços de assistência que elas prestam ao público.

Para quem não está muito familiarizado com a terminologia orçamentária, vale aqui a explicação sobre o que significa uma transferência voluntária da União a uma entidade privada sem fins lucrativos. São recursos que constam do Orçamento e que são enviados à entidade a fundo perdido. Ou seja, é dinheiro público que fica com a instituição para seus gastos correntes. Se o recurso for utilizado para investimento, termina aumentando o patrimônio da entidade.

LDO acaba proibição de verba pública para hospital privado

No projeto de lei da LDO de 2014, no entanto, essa proibição acabou. E por iniciativa do governo Dilma Rousseff. No projeto encaminhado ao Congresso, o governo propôs que, no próximo ano, as entidades privadas habilitadas em oncologia possam receber transferências de recursos da União para “realização de obras físicas”.

A iniciativa do governo causou imensa surpresa entre os consultores da Comissão Mista de Orçamento, pois, ao sancionar a LDO válida para 2012, a presidente Dilma vetou justamente um dispositivo que previa a destinação de recursos para a construção, ampliação e conclusão de obras em entidades privadas, nas áreas de saúde, assistência social e educação especial. O dispositivo tinha sido incluído no texto pelo então relator deputado Márcio Reinaldo (PP-MG).

Para justificar o veto, a presidente Dilma utilizou um argumento que certamente teria sido aplaudido pelo ex-deputado Sérgio Miranda. “A alínea (D, do inciso I do artigo 34 da lei 12.465, que foi vetada) em questão amplia de forma significativa o rol de despesas de capital passíveis de serem repassadas para entidades privadas, permitindo o aumento do patrimônio dessas entidades, mas sem fixar medidas que assegurem a continuidade da prestação de serviços públicos em termos condizentes com os montantes transferidos”.

Como onde passa um boi passa uma boiada, o relator do projeto da LDO de 2014, deputado Danilo Forte (PMDB-CE), decidiu retirar do texto a limitação colocada pelo governo, de que apenas as entidades privadas habilitadas em oncologia poderão receber dinheiro público a fundo perdido para construções e ampliações em 2014. Em seu parecer final, Forte propôs que esse privilégio seja estendido a todas as entidades privadas prestadoras de serviços de saúde.

Desde as primeiras LDOs, no início da década de 1990, sempre foram previstas restrições à transferência de recursos para investimentos, construções ou obras físicas em entidades privadas. As LDOs de 1991 e 1992 vedavam a inclusão no Orçamento, sem qualquer exceção, de despesas de capital para entidades privadas. Nos anos seguintes, algumas exceções foram abertas, beneficiando as entidades privadas das área de educação, meio ambiente e saúde. Os desvios de recursos e os escândalos registrados a partir de então motivaram a proibição do uso dos recursos para “obras físicas”.

Um dos argumentos favoráveis à proibição é que o dinheiro público transferido ajuda a construir o patrimônio dessas entidades privadas. Ao longo do tempo, elas podem reduzir o atendimento gratuito ao público ou até mesmo suspendê-lo, mas os bens constituídos com os recursos orçamentários não são revertidos para a União.

Além disso, é difícil entender a razão de destinar recursos públicos para que uma entidade privada construa um hospital se, com o mesmo dinheiro, o governo pode ampliar ou construir um no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). O mesmo raciocínio pode ser estendido à aquisição de novos equipamentos, pois não é fácil explicar a destinação de recursos orçamentários para a aquisição de um tomógrafo por uma entidade privada se, no mesmo município, o SUS não possui o equipamento.

Vários parlamentares apresentaram destaques para suprimir esse dispositivo do substitutivo do relator, retomando a proibição de uso de verba pública nas construções e ampliações feitas pelas entidades privadas. Mas como a autorização foi uma iniciativa do governo, é possível que seja mais difícil reverter o quadro.

Há também outra questão, relacionada com as entidades sem fins lucrativos, que está causando polêmica na Comissão Mista de Orçamento. Para receber dinheiro público, o projeto de LDO encaminhado pelo governo prevê, entre outros critérios, que essas instituições precisam demonstrar capacidade gerencial, operacional e técnica para desenvolver as atividades que complementam os serviços prestados diretamente pelo setor público.

O relator Danilo Forte acrescentou que elas terão que informar a quantidade e a qualificação profissional de seu pessoal. O objetivo da medida é evitar práticas comuns no passado de entidades que recebiam verba orçamentária para prestar um determinado serviço e não possuiam pessoal qualificado para tal. No entanto, já há um destaque apresentado para suprimir o texto acrescentado pelo relator, quando o projeto da LDO for votado pela Comissão Mista de Orçamento, o que deverá ocorrer na próxima semana.

Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-feiras