ASSECOR na mídia: Quem paga essa conta?

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Fonte: Istoé Dinheiro

Por Paulo JUSTUS e Denize BACOCCINA

No sábado 22, o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, ligou para as lideranças do Movimento Passe Livre, que deu origem à onda de manifestações que se espalharam pelo País. Marcou um encontro dos garotos com a presidenta Dilma Rousseff para o início da tarde da segunda-feira 24. No mesmo dia, os 27 governadores e 26 prefeitos das capitais tinham um encontro marcado com a presidenta. Aos jovens do MPL, Dilma reconheceu o transporte como um direito social. Para cumprir a palavra, a presidenta garantiu aos governadores e prefeitos R$ 50 bilhões para melhorar a infraestrutura do transporte público.

Tudo, segundo ela, sem aumentar os gastos públicos. “O primeiro pacto é pela responsabilidade fiscal, para garantir a estabilidade da economia e o controle da inflação”, afirmou Dilma, na cabeceira da mesa da sala de reunião suprema, no segundo andar do Palácio do Planalto. A presidenta anunciou, ainda, a intenção de promover um plebiscito para aprovar uma reforma política, pedida pelas ruas. No entanto, como dizia o economista americano Milton Friedman, não existe almoço grátis. Para atender às demandas populares, é preciso ter recursos em caixa. Como o dinheiro não se multiplica, quando o governo aumenta os gastos, quem paga a fatura são os contribuintes.

A conta deve subir ainda mais por outras bondades aprovadas pelo Congresso (leia quadro ao final da reportagem), como a concessão de quase R$ 4 bilhões para três ministérios e a aprovação acelerada do Plano Nacional de Educação. Juntando a repentina generosidade de Brasília, a conta deve ficar R$ 355 bilhões, dos quais R$ 60 bilhões no curto prazo. Mas ela deve aumentar em breve, se forem aprovados dois outros projetos em tramitação no Congresso, demandados pela população: o Plano Nacional de Educação (PNE), que eleva os gastos no setor para 10% do PIB até 2020, e outro que destina 10% das receitas brutas à saúde. Em valores de hoje, representaria um orçamento adicional de R$ 71 bilhões anuais para a educação e R$ 41,7 bilhões para a saúde.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, que há pouco mais de um mês anunciou um contingenciamento de R$ 28 bilhões para equilibrar o orçamento deste ano, não explicou de onde viriam os recursos. O momento, agora, é de dar uma satisfação à sociedade. Os deputados, por exemplo, derrubaram a PEC 37, que foi rejeitada nas ruas e que tiraria poderes de investigação do Ministério Público. Para especialistas no assunto, as contas não fecham. “Agenda positiva no Congresso pode ser lida como aumento de gastos”, diz Felipe Salto, economista da consultoria Tendências. Ele também questiona o discurso da presidenta Dilma, de compatibilizar os novos projetos com responsabilidade fiscal, sem dizer onde vai cortar.

“Fica parecendo só um jogo de palavras.” O mercado também está escaldado com as contas do ano passado, quando o governo recorreu a vários recursos contábeis, incluindo empréstimos do Tesouro e adiantamento de dividendos das estatais. Por isso, muitos duvidam que o governo seja capaz de manter o superávit em 2,3% do PIB, já com as deduções. Na avaliação do economista Gabriel Leal de Barros, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE-FGV), para cumprir a meta, o governo terá de, fatalmente, cortar investimentos. “O cobertor é curto e as despesas com custeio não param de crescer: ou se compromete o superávit ou se corta em investimentos”, diz Barros.

Segundo ele, o governo deveria focar sua atenção mais na gestão do dinheiro público do que no aumento do volume. “Grande parte dos problemas nos serviços públicos se deve à má execução dos investimentos, não à falta de verbas”, afirma Barros. A saúde, o maior orçamento da União neste ano, com R$ 92 bilhões, é um desses casos. “Já temos muitos recursos na saúde, precisamos é gastar com eficiência”, diz Eduardo Rodrigues, presidente da Associação Nacional dos Servidores do Ministério do Planejamento. Uma solução, no âmbito do Sistema Único de Saúde seria unificar as compras de insumos. O anúncio dos R$ 50 bilhões para o investimento em transporte urbano também precisa ser monitorado para que os recursos sejam aplicados de modo eficiente.

Nessa área, na verdade, dinheiro não é o maior problema. O que falta é planejamento e projetos para uso adequado nos municípios e regiões metropolitanas. Os recursos federais para mobilidade urbana somam R$ 88,8 bilhões, de acordo com o Ministério das Cidades, incluindo repasses a fundo perdido e financiamentos. Desse total, apenas R$ 40,1 bilhões já foram alocados, e somente obras num valor de R$ 2,8 bilhões foram concluídas. O restante continua à disposição. “Os Estados e municípios que estavam mais organizados já conseguiram pegar esses recursos”, diz o ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro. Outra promessa da presidenta Dilma, a realização de plebiscito para aprovar a reforma política, pode custar até R$ 500 milhões.

Entre as bondades aprovadas pela Câmara, numa sessão que começou no início da noite da terça-feira 25 e avançou pela madrugada, está a destinação de metade dos recursos provenientes dos royalties do petróleo para educação e saúde – na proporção de 75% para a primeira e 25% para a segunda. O projeto aprovado na Câmara muda a proposta do Executivo, de destinar apenas os rendimentos do fundo social do pré-sal para a educação, preservando a maior parte dos recursos para aplicação futura. Pelos cálculos do relator do projeto, o deputado André Figueiredo (PDT-CE), o montante chegará a R$ 295 bilhões nos próximos dez anos, enquanto o projeto do Executivo traria um adicional à educação de apenas R$ 25 bilhões nesse período. “O Brasil é um dos poucos países do mundo que estão destinando recursos finitos do petróleo para o custeio de despesas que são permanentes”, alerta Barros, do IBRE-FGV.

Os deputados também criaram um fundo para compensar Estados e municípios das desonerações tributárias já em vigor e concederam outras, para o setor de transporte. Toda essa generosidade ocorre na mesma semana em que o Banco Central reduziu para 2,7% a previsão de crescimento da economia em 2013 e o Tesouro divulgou uma queda de 29,5% no superávit dos cinco primeiros meses deste ano em relação a 2012. Nesse período, a arrecadação cresceu apenas 0,77% em relação ao ano passado. Ainda assim, o governo prorrogou, na quinta-feira 27, o IPI menor para móveis e eletrodomésticos. O somatória de tudo isso provavelmente será o aumento do endividamento. A solução contraria a prudência, mas pode ser adotada, até porque opovo que tomou as ruas nas últimas semanas quer mais. Mas é dever dos governantes atender aos anseios de hoje sem comprometer o futuro.

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