Governo reconhece que não cumprirá a meta fiscal

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Valor Econômico – 07/11/2012

 

O governo jogou a toalha e desistiu de perseguir um superávit primário de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2012. Já se sabia que o esforço para cumprir a meta fiscal estava longe de ser enfático, enquanto as metas do governo e as estatísticas se encarregaram de tornar inviável a economia de recursos na magnitude programada. Com a desaceleração da arrecadação, hoje em terreno ainda ligeiramente positivo, aumento dos gastos de custeio, impulsionado em grande parte por um aumento de dois dígitos do salário mínimo, e uma parafernália de desonerações tributárias, era matematicamente certa a frustração das intenções fiscais.

Anteontem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, reconheceu que a meta plena não será mais cumprida e que o governo usará o abatimento permitido dos investimentos realizados no Programa de Aceleração do Crescimento (“O Estado de S. Paulo”, 6 de novembro). Mantega não fixou o montante que será abatido, mas esse desempenho fiscal sofrível apresenta agora outra ameaça – a de que nem mesmo com a redução integral permitida de R$ 40,6 bilhões de investimentos a meta seja atingida (Valor, edição de ontem).

Não há qualquer risco econômico imediato no descumprimento da meta fiscal, e o baixo estado de ânimo da economia recomenda o uso de medidas de estímulo que promovam o crescimento. Além disso, criou-se uma folga no pagamento de juros, com a rápida queda da taxa Selic para 7,25% ao ano. O problema são as sinalizações que o relaxamento fiscal dá sobre o futuro. Uma delas é essencial e surrada de tão conhecida. Sem tentar zerar o déficit nominal ou reduzi-lo substancialmente, algo que tornou-se ainda mais factível com os valentes cortes dos juros, será impossível reduzir a carga tributária brasileira, hoje a mais elevada entre os países emergentes relevantes. Sem isso, não será surpresa se o país continuar apresentando taxas de investimento insuficientes para sustentar um crescimento acima dos 4% por vários anos consecutivos.

Desde o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não há firme convicção do que é preciso fazer no front fiscal. Quando a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, barrou planos do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, de caminhar para o déficit zero e taxou-os de “toscos”, definiu-se um padrão de comportamento.

Esse padrão se desenvolveu com o teste de uma economia com desempenho medíocre, para o qual a solução foram as desonerações tributárias, muitas aleatórias, que consumiram R$ 45 bilhões de receitas do governo este ano, segundo Mantega. Há poucas dúvidas de que esse expediente tenha efeitos no curto prazo – estão demorando a aparecer, mas aparecerão. Para ser efetiva a médio ou longo prazo, a redução da carga tributária teria de beneficiar a economia como um todo, e não alguns setores. A solução imediatista pode acabar impedindo a solução definitiva. O governo não abriu mão de recursos para estimular a economia; ao final, aumentou seu endividamento e ampliou a necessidade futura de receitas.

O uso da contabilidade criativa pela atual administração e a anterior deixa entrever a leniência fiscal. O Tesouro já colocou mais de R$ 265 bilhões para empréstimos subsidiados no BNDES e a porta continua aberta para novas injeções. Depois, foi a vez dele fazer aportes de R$ 21 bilhões no Banco do Brasil e na CEF para que possam ampliar a oferta de crédito. Ao mesmo tempo, o governo federal chamou os Estados, que também não cumprirão a sua parte no esforço fiscal, e aumentou a capacidade de endividamento dos entes federativos em R$ 40 bilhões, dotando o BNDES de R$ 20 bilhões prioritariamente destinados a investimentos. O governo também aceitou que empréstimos de bancos estrangeiros a Estados sejam usados em parte para quitar dívidas com o Tesouro, abrindo espaço para mais investimentos. Ao dar o aval dessa nova dívida, o Tesouro assume também o risco cambial.

Quando se olha o lado político da equação do governo Dilma, há mais motivos de preocupações com brechas para que os Estados gastem mais. A maior parte dos partidos da coalizão gigante que sustenta o governo não tem qualquer preocupação fiscal, para dizer o mínimo. Como é certo que a presidente tentará a reeleição com grandes chances de sucesso, as contas públicas poderão sofrer estragos por quase toda a década, se o governo seguir nessa toada.