Desnudando o 1% brasileiro
Somente a partir do final de 2014 a Receita Federal do Brasil passou a disponibilizar mais dados brutos das declarações de imposto de renda pessoa física. À medida que essas informações vêm à tona, é possível estabelecer algumas conclusões. Uma delas é que a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD) não é precisa no que tange à renda dos estratos superiores da sociedade brasileira. Outra conclusão é que a concentração de renda é superior ao que as surveystransmitem.
Marc Morgan Milá é um dos autores que trouxe mais luz sobre os dados das declarações de imposto de renda ao concluir seu trabalho na Paris School of Economics, ao final de 2015.
O Trabalho de Milá (2015) estabelece estimativas do topo da renda diferentes daquelas presentas na PNAD. No Brasil, no ano de 2013, a preços de fevereiro de 2016, os cortes dos estratos superiores eram os seguintes:
– 10 % mais ricos: renda mensal superior a R$ 4.191,88
– 5% mais ricos: renda mensal superior a R$ 7.536,61
– 1% mais ricos: renda mensal superior a R$ 23.128,71
– 0,1% mais ricos: renda mensal superior a R$ 89.971,47
– 0,05% mais ricos: renda mensal superior a R$ 428.849,47
– 0,01% mais ricos: renda mensal superior a R$ 690.829,25
Cabe destacar que a renda média do grupo que figura o topo é bastante superior ao corte limiar. Dentre os 0,1% mais ricos, a renda média mensal é de R$ 161.146,38 (valores atualizados). Já dentre os 0,01% mais ricos, a renda média mensal é de R$ 2.213.187,12 mensais (atualizados), ou seja, 964,5 vezes superior à média brasileira.
Em 2013, o 1% mais rico apropriou-se de 26,6% da renda nacional, já o 0,01% mais rico absorveu 4,8% do total. Trata-se do maior nível de desigualdade já registrado a partir dos dados tributários, os quais são mais confiáveis do que os de surveys, ainda que ponderando a provável elisão. A concentração existente no Brasil só encontra paralelo com os 0,01% mais ricos dos Estados Unidos.
Cumpre ressaltar que esses dados são apenas de renda, uma variável fluxo, e não de riqueza, uma variável estoque. A riqueza é sempre mais concentrada, em qualquer país. Os 51,4 mil brasileiros mais ricos possuíam, em 2013, uma média patrimonial de R$ 24,8 milhões (a preços de 2016).
Ao longo do século 20, os países corrigiram as sabidas disparidades geradas pelo sistema capitalista por meio da tributação e de políticas públicas. Na esteira dessas transformações, o Brasil passou a cobrar imposto de renda a partir de 1923.
Entretanto, a tributação sobre renda e propriedade no Brasil são sensivelmente baixas em um comparativo internacional. Nos países mais desenvolvidos, a principal fonte de receita tributária é imposto sobre a renda.
Mesmo o México, o Chile e a Argentina possuem um sistema tributário mais justo em termos sociais do que o brasileiro. Os dois primeiros por cobrarem mais impostos sobre a renda e o último por cobrar mais impostos sobre o patrimônio.
Nas décadas de 1980 e 1990, as alíquotas máximas de imposto de renda no Brasil foram reduzidas de maneira expressiva, conforme explicita o gráfico 2. Atualmente a taxa máxima é de 27,5%, porém chegou a ser de 65% no Governo João Goulart.
Uma das principais distorções do sistema tributário brasileiro é a isenção de imposto de renda dos lucros e dividendos, vigente desde 1995. A maior parte da renda do 1% mais rico advém de lucros e dividendos.
Em 2013, as receitas isentas dos 71,4 mil (aproximadamente 0,05%) brasileiros mais ricos foram de R$ 233,7 bilhões, a preços de 2016. Convém detalhar tais isenções. Esse tema será aprofundado em outra oportunidade.
* Róber Iturriet Avila é economista, pesquisador da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos