Nota Pública sobre os perigos da fragilização do planejamento governamental

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É inegável que o Brasil atravessa uma grave crise econômica e social. Ela se evidencia a partir dos indicadores de desemprego, renda, atividade econômica, índices de violência, etc. Do ponto de vista estatal, é dado destaque ao desequilíbrio fiscal, causado pela queda da arrecadação, acompanhada de sucessivas tentativas de cortes de gastos, que fortalece seu viés recessivo. Esta nota pública da Diretoria da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento – ASSECOR tem por objetivo denunciar a destruição da capacidade do estado brasileiro em planejar o seu desenvolvimento e, portanto, encontrar saídas para a atual crise que o país enfrenta, aumentando ainda mais seus efeitos nefastos na sociedade brasileira. 

Em estudo realizado pela ASSECOR em parceria com o IPEA e cerca de 30 instituições públicas e privadas com o objetivo de desenhar cenários prospectivos para o desenvolvimento do Brasil até 2030, a avaliação de centenas de especialistas foi a de que a existência de um sistema de planejamento, que articulasse longo, médio e curto prazo, era uma variável de grande motricidade e força para a definição dos caminhos que o país poderia seguir nos anos futuros[1]. Em direção oposta, no entanto, o que temos assistido nos últimos anos é uma fragilização das instituições e instrumentos de planejamento, que pode comprometer a construção do futuro no nosso país. 

A desinstitucionalização do planejamento não é uma novidade no nosso país. Nos anos 1980 e 1990, o planejamento foi fragilizado, mas conseguiu resistir na Constituição Federal, destacadamente no artigo 165, que prevê o Plano Plurianual (PPA), com um horizonte de quatro anos, como peça central para orientar os orçamentos anuais. Vários órgãos de planejamento setorial, como na área de transporte ou energia, foram fragilizados ou extintos e os resultados, ao final dessas décadas, foram desalentadores, fechando com o apagão elétrico no início dos anos 2000 como o símbolo de um período.

 A construção dos Planos Plurianuais, conforme determinada pela Constituição de 88, foi tomar nova forma no PPA 200-2003, ou PPA Avança Brasil, do governo Fernando Henrique, em que se projetava, com uma estratégia territorial baseada nos Eixos de Integração e Desenvolvimento, cerca de 360 programas, dos quais 67 prioritários, atrelados a uma estratégia de gestão que muito se alimentava dos preceitos da reforma gerencial, bem como dos processos de qualidade total, muito em voga no setor privado à época. Em 2001, esse processo culmina com a institucionalização do Sistema de Planejamento e de Orçamento Federal – SPOF, por meio da promulgação da lei 10.180.

 No período seguinte, assistiu-se um fortalecimento dos processos participativos no Planejamento, bem como a projeção, a partir do PPA, de uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo, assentada na proposta de crescimento via ampliação do mercado de consumo de massas. Esse processo teve seu auge a partir de 2007, quando foi acompanhado da retomada do planejamento setorial e, em sequência, da fragilização do Sistema de Planejamento e de Orçamento Federal, na medida em que novos processos de planejamento e gestão foram sendo constituídos em paralelo.        

 Ao final dos governos do PT, tivemos, portanto, um retrato curioso. O fortalecimento do planejamento setorial – revelado pela existência de vários planos setoriais nacionais construídos no período, foi acompanhado pela desinstitucionalização e fragilização da função de coordenação que o Planejamento deveria desempenhar. A chegada do governo Temer encontra um PPA totalmente esvaziado em suas funções, a ponto de não ter sido necessário a revisão do instrumento com um governo que mudava a orientação de várias políticas com relação ao período anterior.

 Nessa linha, do ponto de vista organizacional, a Secretaria de Planejamento do então Ministério do Planejamento foi extinta, em um processo iniciado no segundo Governo Dilma, e concluído no governo Temer, com o Ministro Dyogo Barbosa, secretário-executivo do mesmo ministério durante a gestão da petista. Em 2016, a Secretaria de Planejamento é fundida com a Assessoria Econômica do Ministério, e passa a ter sua atenção muito mais focada no curto prazo. A sua extinção é completada no governo Bolsonaro que, com o Ministério da Economia, a rebaixa à subsecretaria, competindo, na mesma organização, com temas como Energia e Loterias.

 Em paralelo, observa-se a fragilização das unidades de planejamento também nos ministérios setoriais. As subsecretarias de planejamento, orçamento e administração – SPOAs, muito absorvidas pelo dia-a-dia da administração, em muitos casos, por conta do enxugamento da máquina administrativa, acomodam o planejamento em unidades organizacionais ao lado de orçamento e finanças, diminuindo a importância do planejamento e o relegando a um segundo plano, às sombras das urgências cotidianos da gestão . De sua parte, o órgão gestor da carreira de planejamento e orçamento passa a ser exclusivamente a Secretaria de Orçamento Federal, e a força de trabalho especializada passa a ser alocada prioritariamente na área de orçamento. 

 Por fim, a nova ameaça é a desconstitucionalização do Plano Plurianual. O primeiro passo foi dado na discussão da PEC 34, do orçamento impositivo, que aprovou que os investimentos que excedam um exercício financeiro não mais precisam ser incluídos no Plano Plurianual para serem iniciados, revogando o §1º do art.167 da Constituição Federal. Essa matéria agora ainda depende de aprovação do Senado Federal, já que se trata de modificação proposta pela Câmara, em articulação com poder executivo.

 Isso acarreta o total esvaziamento do PPA, sem que abarque os investimentos plurianuais que incorporam a estratégia de desenvolvimento pretendida pelo governo para o País. Ademais, o caminho para a desconstitucionalização do PPA ainda permanece aberto, seja na discussão da PEC 423, de autoria do deputado Pedro Paulo, do DEM/RJ, seja pela proposta ainda em construção da PEC que o poder executivo anuncia para desvincular o Orçamento da União.

 O PPA é a única peça em que é possível visualizar o conjunto da ação do governo federal, com seus objetivos e metas, que permite à sociedade  fiscalizar se o governo eleito está, de fato, implementando o que prometeu na campanha eleitoral, tendo que se comprometer com metas aprovadas pelo Congresso Nacional. Nesse sentido, o PPA é ainda uma ferramenta basilar da nossa democracia. 

 Abrir mão do Planejamento, e de um de seus principais instrumentos, como é o Plano Plurianual, não é apenas atacar a transparência do Estado e dos Governos perante à sociedade que os elege. O Brasil estaria abrindo mão de construir compromissos para o Futuro, coordenar a ação estatal, pois seja qual for a solução escolhida para sair da crise, será preciso planejar e buscar a implementação desse planejamento diante dos dinâmicos contextos da realidade que se impõem.

 O atual governo tem a responsabilidade de propor soluções para a crise. Desmontar a capacidade estatal de planejamento nos parece um passo ousado em direção oposta. Por isso, conclamamos ao governo recuar nessa estratégia e a todos os setores da sociedade a denunciarem esse atentado ao futuro do país.

 Diretoria

Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento



[1] BRASIL 2035 – cenários prospectivos – Assecor/IPEA, 2017.