Na contramão da história: a evolução não precisa de revolução

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A crise econômica e as conexões com o grave problema da corrupção, as deficiências na provisão de serviços públicos, o caos das grandes cidades, a crise de governabilidade nos colocam num momento estratégico: ou adquirimos mais conhecimento relevante ou o desenvolvimento ficará com um sonho distante, diminuindo o espaço entre a crise e o colapso. O governo precisa buscar o equilíbrio entre dois polos: entre a urgência do investimento na qualificação do servidor público e o custo/qualidade dos projetos. Nos projetos e programas, como no caso do PPA, não há integração entre estratégia (o que fazer), planejamento (como fazer) e gestão (como melhorar). Isso é problema histórico-cultural e pode se agravar se o Brasil não entrar definitivamente na sociedade do conhecimento e inteligência. A cultura impacta fortemente a da inteligência governamental, e por isso é que a macroenomia (governo), que tem que criar mecanismos para microeconomia (empresas e famílias), entende a importância do conhecimento e da inteligência. O hábito de leitura, tanto na sociedade quanto no governo, tem que ser desenvolvido, mas, infelizmente, isso não está sendo feito de forma inteligente. É preciso mais escolas pacificadoras e mais livros para elas e até mesmo mais livros nos bares, restaurantes, loterias, cartórios, dado que 89% dos municípios brasileiros não têm livrarias. Segundo os dados mais recentes do IBGE, 13,2 milhões de pessoas (8,7% da população) não sabem ler nem escrever e quase metade da população brasileira (49,25%) com 25 anos ou mais não tem sequer o ensino fundamental completo. Com relação a o nível superior, o Brasil tem o menor número de cidadãos que concluíram a graduação entre 35 países pesquisados pela OCDE em 2010.

No ranking Quacquarelli Symonds (QS) das 200 melhores universidades do Brics, apenas duas brasileiras estão entre as 10 primeiras: a USP (7º), e a Universidade Estadual de Campinas (9º), ambas na unidade da Federação que concentra 32,1% do PIB brasileiro. Isso prova o impacto do conhecimento na inteligência, o conhecimento em ação. Na América Latina, o Brasil, liderado pela USP, perdeu a posição para o Chile (Universidade Católica), por causa de dois fatores: número de estudantes e pesquisadores estrangeiros e número de citações em artigos científicos.

O problema de falta de conhecimento e de inteligência impacta a qualidade dos projetos e programas governamentais também porque grande parte dos cargos de direção e assessoramento são ocupados por indicações políticas. A distinção entre política (governo) e técnica (administração pública) só seria suavizada se evocada a descentralização do conhecimento e do poder de decisão a partir do envolvimento da sociedade e dos próprios burocratas no desenho das políticas públicas. É a reforma administrativa, com vertente societal (governança compartilhada), que impulsiona o fim da cultura política de troca de cargos por apoio, e não ao contrário. Um bom começo para a reforma administrativa é construir uma escola de governo inteligente.

A então diretora da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), a pesquisadora Regina Viotto Pacheco (1995-2002), afirma que: “A transposição do modelo de escola de governo francês para o Brasil não faz o menor sentido hoje, nem para a França, nem para o Brasil. É um modelo de elite, baseado em monopólios e não em competências. O mundo não convive bem com isso hoje”. A partir da constatação que o modelo francês não foi adequado ao contexto brasileiro, a Enap poderia investir na criação e no desenvolvimento de inteligências (cultural, emocional, espiritual) a partir de cursos multidisciplinares de mais alto nível.

Nesses cursos, os servidores aprendem conhecimentos destinados a auxiliar na descompactação de problemas complexos, além de obter maior compreensão da dinâmica entre os governos nacionais, estaduais e locais para explorar as questões emergentes que afetam esses governos. A Universidade de Speyer, na Alemanha, oferece o modelo de um centro de formação cujos programas têm caráter genuinamente multidisciplinarincluindo matérias como história, sociologia, antropologia, ciência política e psicologia. O Programa Rumo à Liderança Estratégica da Escola de governo da Austrá- lia-Nova Zelândia é especificamente projetado para os gestores em transição para cargos de alto escalão que precisam pensar e agir em um nível estratégico. Não há como melhorar sem ter inteligência.Vamos lá: bons livros e boa leitura!