Dilma abre brecha em controle de gastos de obras

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A presidente Dilma Rousseff abriu uma brecha para afrouxar o controle sobre custos de obras públicas em 2014, ano em que tenta um novo mandato, e pretende acelerar a entrega dos serviços antes de ser impedida pela lei eleitoral de participar de inaugurações. A medida preocupa órgãos de controle como o Tribunal de Contas da União (TCU) e também pode ser contestada no Legislativo.
Ao sancionar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), no dia 24, Dilma vetou artigos que definiam tabelas oficiais, mantidas pela Caixa Econômica Federal (CEF) e pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), como referências de preços para projetos de construção civil e rodoviários, respectivamente. Essas regras foram transpostas para um decreto presidencial editado em abril, que pode ser alterado pelo Planalto a seu critério, sem autorização do Legislativo, e que só vale para o Executivo. É a primeira vez em 14 anos que os parâmetros de precificação de obras públicas não constam da LDO.

Por se tratar de um veto, a medida pode ser derrubada pelo Congresso, em sessão conjunta após o recesso. Mas isso é considerado improvável: é preciso o apoio de 257 deputados e 41 senadores, em votação aberta, e o governo mantém ampla maioria na Câmara e no Senado.

Com o veto na LDO, a regra é mantida pelo decreto, que pode ser revogado a qualquer momento pelo Executivo. Assim, o Planalto poderia instituir outros parâmetros de custo, livrar determinadas obras das exigências ou mesmo fixar margens de tolerância para além do máximo previsto nas tabelas oficiais.

Desde 2000, a LDO prevê o Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi) – gerido pela Caixa, com base em preços pesquisados mensalmente pelo IBGE nas 27 unidades da Federação – como tabela oficial de obras desse tipo. Para as rodovias, o Dnit adota o Sistema de Custos Referenciais de Obras (Sicro), atualizado a cada dois meses, em 24 Estados.

O uso das duas bases de dados é regra, salvo em situações em que o gestor justifique o motivo de se abrir a exceção. É o caso de uma instalação nuclear, por exemplo. A flexibilização dos parâmetros de referência tradicionalmente previstos na LDO é um pleito antigo de grandes empreiteiras.

O veto preocupa os órgãos de controle, que se baseiam nos dois sistemas para apurar desvios e mau uso de dinheiro público. Em 2013, o Tribunal de Contas da União (TCU) achou sobrepreço e superfaturamento em 29% das obras com verba federal que auditou por meio de seu programa de fiscalização. Nos quatro anos anteriores, o porcentual variou de 34% a 56%.

Para o presidente do TCU, Augusto Nardes, a decisão enfraquece os mecanismos de fiscalização e causa surpresa. “Surpreende, porque a presidente tem tido um discurso muito favorável a que aconteça um controle por parte do governo em relação a fraudes, desvios e irregularidades. Com somente o decreto, isso se fragiliza. É como uma portaria, que eu aprovo e, a qualquer momento, posso modificar”, afirmou.

Nardes acredita que a presidente deve ter sido “mal orientada” por sua equipe ao vetar os artigos. “O que preocupa é que o poder central tem de dar exemplo aos Estados e municípios, portanto tem de ser firme nessa questão de mostrar o caminho”, disse. Nardes vai conversar com os presidentes da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), sobre as possibilidades de reverter o quadro.

Para ele, manter a LDO como aprovada seria uma demonstração de “força” do Legislativo.

‘Abuso de poder’. O governo enviou o projeto da LDO ao Legislativo sem as referências de preço. A alegação era de que o atual modelo representava um entrave à eficiência das obras.

O relator da LDO, deputado Danilo Forte (PMDB-CE), retomou os parâmetros de custo em seu substitutivo, aprovado em plenário. Parecer das consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado classifica a regulamentação por decreto de “abuso de poder” e sugere que o Congresso o “suste”. Forte disse que o veto deve ser alvo de críticas e de disputa com o Planalto na volta do recesso. “Há algumas situações em que se pode usar a falta de parâmetro (na LDO) para viabilizar desvios de recursos.”

Ao justificar o veto, Dilma afirmou que a LDO é revisada anualmente, mas os critérios para elaborar o orçamento de obras e serviços “transcendem” um exercício financeiro. Por isso, uma norma sem prazo de validade garantiria “a necessária segurança jurídica”. O Planalto poderia ter enviado ao Congresso um projeto de lei, alheio à LDO, que tornasse as duas referências permanentes, mas alega que o decreto foi uma solução “mais rápida”.

Como o decreto vale só para o Executivo, cabe aos demais poderes criarem suas regras – só o Judiciário, por meio de resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), adota o Sicro e o Sinapi, mas agora tem liberdade para fazer alterações.

Permanente

Em nota, o Ministério do Planejamento argumentou não haver enfraquecimento do controle sobre obras, pois as tabelas do Sistema de Custos Referenciais de Obras (Sicro) e do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi) constam do decreto editado pela presidente Dilma Rousseff.

“Sendo assim, continuam valendo como metodologia padrão da administração pública federal na elaboração do orçamento de referência das obras e serviços de engenharia contratados e orçados com recursos da União”, explicou a pasta.

Segundo o Planejamento, o Judiciário já tem regra própria a respeito e caberá ao Legislativo editar a sua. O ministério alega que a supressão dos artigos da Lei de Diretrizes Orçamentárias visa dar ao tema “caráter permanente, para que haja mais segurança jurídica a todas as entidades públicas e privadas envolvidas”, pois a vigência da LDO é anual. A pasta não informou porque não enviou ao Congresso um projeto de lei que perenizasse as duas referências, o que evitaria as controvérsias com os órgãos de controle.

O decreto foi editado em abril, mês limite para o governo enviar a LDO ao Congresso. O primeiro foi preparado pelas pastas de Planejamento, Casa Civil, Transportes e Controladoria-Geral da União. O presidente do TCU, Augusto Nardes, diz que o órgão não foi consultado.

O secretário executivo da CGU, Carlos Higino Ribeiro de Alencar, que está substituindo o ministro Jorge Hage durante suas férias, diz que o decreto foi uma solução “mais rápida”, mas o governo não se opõe à aprovação de uma lei com as mesmas regras. “Se o Congresso quiser abrir um debate, não há nenhum óbice nisso.”

O secretário alega que o decreto tem mais detalhes que o texto aprovado pelo Congresso, disciplinando melhor, por exemplo, as regras para empreitada a preço global (quando se contrata a obra por valor certo e total).

Segundo ele, outra questão é o fato de a LDO, editada anualmente, poder ser alterada e gerar “instabilidade” em relação a projetos executados em tempo maior. “O que o governo quer é norma perene. A gente não vislumbra fragilização do controle.”

Higino diz que mudanças nos parâmetros de preço são improváveis. “Não acredito em inovação, por uma questão muito clara: a gente não tem muitos sistemas de referência de preços. Esses índices são construções complexas. Não há um concorrente do Sinapi”, afirma. Questionado, ele admite, no entanto, que qualquer alteração só depende, agora, da caneta de Dilma: “Não posso falar pela presidente”.