Melhor é tomar possível

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Autor(es): Ligia Bahia

Entre feridos e ofendidos pelas escaramuças sobre a importação de médicos salvaram-se a entrada da saúde, pela porta da frente, na agenda pública e o retorno do uso de verbos no futuro pelas autoridades governamentais. A saúde não é mais um teminha qualquer, veio para ficar. As demandas expostas nas ruas por atenção e cuidados foram respondidas com medidas que obviamente visam às eleições de 2014, mas só terão credibilidade se ultrapassarem os mandatos dos atuais governantes. Quando a polêmica sobre o sistema público de saúde fica tão intensa significa que todo mundo tem alguma dose de razão. Ter médicos é melhor do que não ter, e é possível e plausível atraí-los para trabalhar em cidades do interior bem como realizar testes, compatíveis com as necessidades do país, para revalidar diplomas de estrangeiros. O Brasil não deve e não precisa se desviar da rota que conduz à organização de um abrangente e sólido sistema público de saúde para todos. Nesse momento, a pressa em encontrar marcas para as campanhas de candidatos a governador e presidente se conjuga com a necessidade de adicionar veracidade às propostas de expandir a oferta de médicos. Assim, a tradicional exibição e ocultamento de feitos, não feitos e defeitos pode ser substituída pelos compromissos de fazer. A convocação de médicos cubanos foi viabilizada mediante um acordo entre governo federal, congresso nacional e prefeitos que excluiu as entidades médicas. O bypass mudou o dono da carapuça. Anteriormente, as acusações de insensibilidade e desassistência vestiam como luva nos governos. A maioria dos médicos rala muito e procura manter um atendimento digno. Mas quem não lembra das notícias divulgadas em 2011 sobre partos realizados por médicos em prisioneiras algemadas? E do slogan “o médico vale muito”, lançado por um dos conselhos regionais de medicina, que sequer menciona a população? Essas atitudes, somadas a greves arrastadas que atrasam os já ultradilatados prazos para os agendamentos de assistência, supõem a existência de solidariedade de mão única. Não é assim que a banda toca. Os pacientes se impacientaram, exigem serviços públicos de qualidade, aceitam a vinda de médicos cubanos e rejeitam as tentativas de imposição da “cura gay” atestando para todos os fins que os brasileiros não são reacionários. Não é por culpa da “sociedade” que se deixa de debater aspectos essenciais à saúde como as relações entre a arrecadação de impostos e contribuições e o uso desses recursos, a descriminalização do aborto, o uso intensivo e abusivo de agrotóxicos e restrição à propaganda de alimentos, bebidas e medicamentos. Desonerar e investir recursos públicos na fabricação de automóveis e motos que comprometem a mobilidade urbana provocam acidentes e mortes, e conceder fartos benefícios aos planos privados, setores que empregam menos do que saúde pública e educação, são opções políticas. E se alguém ainda acredita que melhor saúde, melhor assistência e menor custo são objetivos totalmente compatíveis entre si, basta dar uma olhada para ver o que se passa no resto do mundo. Experiências de focalização e de apartheid na saúde deram errado. A redução de riscos à saúde e a expansão da formação de profissionais de saúde, criação de carreiras do SUS e prestação continuada de atenção qualificada à população requerem suportes financeiros adicionais. Neste momento, em que a saúde é considerada em diversas pesquisas de opinião o principal problema e ao mesmo tempo responde por alterações nas avaliações sobre o governo Dilma, não dá para dizer que haverá mais SUS e mais médicos, sejam estrangeiros ou brasileiros, sem aumentar efetivamente o orçamento. A recusa do governo federal de destinar 10% da receita bruta à saúde será uma escolha pelo racionamento da assistência médica. Os 25% dos royalties do pré-sal acrescidos a uma parcela dos projetos setoriais das emendas parlamentares representam valores inferiores aos previstos no projeto de emenda popular, apoiado pela assinatura de mais de dois milhões de eleitores. Ninguém se arrisca a dizer que a importação dos cubanos é uma panaceia. Mesmo assim, as frases prediletas para anunciar mais médicos procuraram transmitir uma determinação radical. A mais popular é “farei o possível e o impossível para garantir médicos” O impossível, decodificado, significa encontrar médicos onde for, até na China. Daqui a pouco, algum incauto dirá que a solução é importar um lote de bilíngües que falem português e javanês. É a repetição de discursos de quem não sabe ou não acredita no que fala que conduz à despolitização da saúde e sua captura por interesses particulares. Se um leigo pode entender e opinar, ainda que seja superficialmente, sobre embargos infringentes, poderá também participar de decisões cruciais sobre saúde. O que está sendo discutido é se o Brasil vai fazer o dever de casa na saúde ou apenas promover mais um programa que custa dinheiro e dá pouco resultado em termos de melhoria das condições de vida. As alternativas para tornar o SUS acessível, qualificado e dotado de recursos suficientes e estáveis requerem a reunião de quem aposta e precisa que suas ações sejam bem-sucedidas com usuários do SUS, médicos, professores de medicina, especialistas em planejamento de sistemas de saúde e educacionais que questionem o impacto e longevidade das atuais proposições do governo. : Sem controvérsias, far-se-á menos do que o possível.