A reinvenção da roda

144

Autor(es): Luís Artur NOGUEIRA

Nos primeiros três minutos de sua palestra para cerca de 400 empresários, na segunda-feira 26, em São Paulo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, usou cinco vezes a palavra “diálogo”. A repetição não foi à toa. É parte da nova estratégia do governo federal para melhorar a comunicação com o setor privado. Antes do evento, promovido pelo Grupo de Líderes Empresariais (Lide), era possível constatar nas rodinhas o receio dos CEOs com os rumos da economia. “Estamos perdendo o bonde da infraestrutura”, disse Besaliel Botelho, presidente da Bosch na América Latina. “Sabemos o que fazer, mas o governo não consegue colocar em prática.”

A força industrial: a expectativa dos empresários cresceu em agosto e pode melhorar

ainda mais com o êxito das concessões

O sentimento geral dos investidores ainda é de muita incerteza em relação às regras do jogo, principalmente dos leilões de concessão em logística, energia e petróleo e gás, que devem movimentar R$ 470,1 bilhões nos próximos anos. Ciente desse quadro, Mantega resolveu afinar o seu discurso e partir para um diálogo franco com o mercado. A missão não é simples. Antes mesmo da fala do ministro, o dólar subia mais de 1%, reaproximando-se da casa dos R$ 2,40. Nas últimas semanas, uma parte da desvalorização cambial foi atribuída à desconfiança dos investidores em relação à política econômica brasileira. “Estamos caprichando nas negociações.

Se alguém achar alguma regra torta, pode vir falar comigo, pois eu sou o responsável pelas concessões”, afirmou Mantega. Em um dado momento, o empresário João Doria Jr., anfitrião do encontro, destacou a presença de um grupo de chineses, que simbolizavam o interesse estrangeiro no Brasil. Eram dez investidores orientais, ao redor de uma mesa, que ouviam tudo em português – sem tradução simultânea – e faziam anotações. “A expectativa é pior do que a realidade econômica”, diz Doria Jr. “O que falta é uma comunicação mais clara do governo.” Os leilões de infraestrutura, cujo primeiro grande teste será um lote de rodovias no dia 18 de setembro, servirão de termômetro da retomada da confiança no País.

Michael Klein, presidente da Casas Bahia: “A perspectiva é que vai

ter coisa boa na economia. Estou otimista”

Um eventual fracasso pode azedar de vez o clima empresarial. Já o seu sucesso pode ter um efeito multiplicador em diversas áreas da economia, do comércio à indústria. Num primeiro momento, a mensagem do ministro da Fazenda agradou. “Eu saio otimista desse encontro”, afirmou à DINHEIRO Michael Klein, presidente do conselho de administração da Casas Bahia e do Ponto Frio. A aproximação de Mantega com o setor privado continuou no dia seguinte, no escritório do gabinete ministerial, no prédio do Banco do Brasil, em São Paulo. Em reunião com líderes dos oito principais bancos do País, foi discutida a criação de consórcios de instituições públicas e privadas para financiar o programa de infraestrutura.

O objetivo é eliminar o receio que os banqueiros têm de apoiar esses projetos de longo prazo, que possuem elevado risco. Ao menos um primeiro passo foi dado. As instituições se comprometeram a apresentar, em 15 dias, uma proposta de formação de um sindicato de bancos. “A função do sindicato é diversificar os riscos para todos os bancos”, disse Antonio Henrique Silveira, secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda. Em nota, o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, classificou de “positiva” a reunião. “É um desafio que vai exigir esforço e união de todos, dado que o processo de concessão, pelo seu tamanho, envolve valores superlativos. A questão dos riscos também merece uma abordagem cuidadosa, para evitar insegurança às partes.”

Besaliel Botelho, presidente da Bosch: “Sabemos o que fazer,

mas o governo não consegue colocar em prática”

O presidente do Itaú Unibanco, Roberto Setubal, disse que “está comprometido com essa agenda”. “O crescimento do Brasil nos próximos anos estará vinculado principalmente aos investimentos em infraestrutura.” Também participaram o presidente do Santander, Jesús Zabalza, e executivos da Caixa, do BB, do BTG Pactual e do Bank of America, além do BNDES. Com o objetivo de diminuir os riscos das concessões, o governo também colocou em funcionamento, na semana passada, a Agência Brasileira Gestora de Fundos (ABGF), apelidada de Segurobrás, cuja missão é destravar as garantias, por exemplo, para atrasos nas licenças. Os leilões de infraestrutura são como uma bala de prata do governo para melhorar o humor do mercado e do setor privado.

Porém, há ainda uma enorme lista de pendências que precisa ser tocada para destravar a economia e os investimentos. Uma delas é a transparência fiscal. “A retomada da confiança empresarial passa por uma política fiscal que sinalize uma maior preocupação com a solvência de longo prazo”, diz Bernard Appy, ex-secretário-executivo da Fazenda no governo Lula. Outro ex-integrante do governo petista defende que as estatais sejam protagonistas. “Numa situação de muita insegurança, só o investimento público é capaz de tirar o país dessa situação de baixo crescimento”, afirma Júlio Sérgio Gomes de Almeida, ex-secretário de política econômica da Fazenda.

Paulo Skaf, presidente da Fiesp: “Poderíamos estar melhor,

mas não estamos fora dos trilhos”

Em outra frente, a presidenta Dilma Rousseff tem intensificado o diálogo com os congressistas, aplacando uma queixa antiga dos parlamentares de que a mandatária não gosta de “fazer política”. Além de liberar verbas aos parlamentares, Dilma tornou-se, na terça-feira 27, a primeira chefe do Executivo pós-Constituição de 1988 a receber, numa sessão solene do Parlamento, o relatório final de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, a CPI que investigou a violência contra as mulheres. O aceno à base aliada, no entanto, ainda não deu resultado. No mesmo dia, a Câmara Federal aprovou, a contragosto do Planalto, a proposta que obriga o Executivo a pagar emendas parlamentares, o chamado orçamento impositivo.

O texto agora vai para o Senado, onde a derrota é iminente. Embora o jogo das expectativas esteja longe de ser vencido pelo governo, a nova estratégia, tão óbvia quanto a reinvenção da roda, pode dar certo. Para isso, o Planalto conta com uma ajuda dos dados econômicos para chacoalhar os ânimos. O primeiro deles veio na sexta-feira 30, quando o IBGE apontou uma expansão de 1,5% do PIB no segundo trimestre, impulsionado pela retomada dos investimentos e pela alta do agronegócio e da indústria. “Foi um crescimento de qualidade”, disse Mantega, logo após o anúncio do IBGE.

Além disso, os indicadores de confiança industrial começam a melhorar, após a queda registrada no auge das manifestações, em junho e julho. “Poderíamos estar melhor, mas não estamos fora dos trilhos”, diz Paulo Skaf, presidente da Fiesp. Uma sondagem do Lide com empresários sinaliza, ao menos, um alento para o ano que vem. Dos entrevistados, 44% projetam acelerar os negócios e 36%, manter o ritmo. Na questão sobre mercado de trabalho, 83% pretendem manter ou contratar mais funcionários (leia dados na pág. 34). A decisão de não demitir já é uma prova de confiança dos empresários. Cabe ao governo resgatá-la em sua plenitude.