Análise :: Dívidas travam projetos de mobilidade
Em resposta às grandes manifestações de ruas, a presidente Dilma Rousseff prometeu destinar R$ 50 bilhões para projetos de mobilidade urbana. Dilma não esclareceu quanto desse montante seria de recursos do Orçamento da União e quanto de empréstimos. A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, discutiu com governadores e prefeitos as prioridades de cada Estado e das prefeituras das capitais na área de transporte público. O objetivo é investir maciçamente em projetos que possam melhorar a vida do cidadão, que hoje enfrenta grande dificuldade para se locomover nos grandes centros. Mas, desde o início, todos que participaram das discussões tinham consciência de que há um obstáculo a ser transposto: a maioria dos Estados e dos municípios das capitais tem baixa capacidade de endividamento. Muitos não conseguem garantir contrapartidas aos empréstimos obtidos.
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, por exemplo, pediu R$ 6,5 bilhões para a construção de 150 km de corredores de ônibus, mas a prefeitura não pode tomar novas dívidas, pois ultrapassa, em muito, o limite de endividamento fixado por resolução do Senado. Até os Estados mais ricos, como São Paulo e o Rio, só poderão contrair novas dívidas se conseguirem uma “excepcionalidade” do ministro da Fazenda, Guido Mantega, pois estão classificados na categoria “C” de um rating definido pelo Tesouro. Nesta categoria estão incluídos aqueles Estados cuja “situação fiscal é muito fraca e o risco de crédito é muito alto”.
Chegou-se a uma situação em que a “excepcionalidade” virou regra, como já foi ressaltado recentemente pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Neste momento, a maioria dos Estados ainda está contratando empréstimos autorizados pela presidente Dilma em 2011 e 2012, no R$ 98,3 bilhões, o que reduz ainda mais o espaço para novas dívidas. Essas operações já tiveram já tiveram impacto significativo na redução do superávit primário dos Estados no ano passado. Novos empréstimos significam mais gastos e, quanto maior a despesa realizada, menor o superávit primário.
A discussão sobre o limite e o custo do endividamento atingiu uma temperatura elevada em maio passado. Naquele mês, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), relator do projeto de lei complementar 238/2013 que altera o indexador das dívidas estaduais e municipais renegociadas pela União, apresentou o seu parecer. O substitutivo de Cunha concede um desconto no saldo das dívidas dos Estados e municípios. Com o desconto e um novo refinanciamento dos débitos em 300 meses, haveria uma diminuição do pagamento mensal que os governos estaduais e prefeituras fazem à União por conta dos juros e amortizações das dívidas. A diferença entre o novo valor do pagamento e o limite anterior teria que ser aplicada em investimentos ou utilizada em desembolsos vinculados às Parcerias Público Privadas (PPP).
O governo não concordou com a proposta e paralisou as negociações. Ficou claro para o governo, no entanto, que governadores e prefeitos não querem apenas mudar o indexador das dívidas. Querem também reduzir o comprometimento de sua receita líquida com o pagamento mensal à União por conta dos juros e das amortizações das dívidas renegociadas, que hoje varia de 11,5% a 15%.
Só assim eles abririam espaço para fazer investimentos. Há vários projetos em tramitação no Congresso tratando dessa questão. O mais discutido é o do senador Luiz Henrique (PMDB-SC), que destina 20% do pagamento mensal das dívidas para um programa de investimentos, discutido e aprovado pelo governo federal, com aplicações em educação, saúde, infraestrutura e inovação e tecnologia.
Os secretários estaduais de Fazenda chegaram a propor que o comprometimento seja limitado a 9% da receita líquida real. O problema é que essa redução afeta a meta de superávit de Estados e municípios. No retorno dos deputados e senadores, após o “recesso branco” do Congresso, essa discussão certamente será retomada.