Se domar a inflação, governo pode segurar manifestantes

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Autor(es): Por Raymundo Costa | De Brasília

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso costuma reclamar que a Polícia Militar do Pará, em 1996, matou 19 sem-terras em Eldorado do Carajás, mas o massacre ficou na sua conta e afetou a popularidade do governo.

Apesar do episódio, FHC se reelegeu em 1998, ainda no rastro da confiança conquistada pelo PSDB por haver domado a inflação e inaugurado um inédito período de estabilidade econômica.

As manifestações que tomaram de assalto as ruas do país, em geral pacíficas, sem dúvidas representam um desgaste para a imagem da presidente Dilma Rousseff, porque a ela podem ser associadas a cesta de sentimentos difusos que convergiram para as ruas e praças do país.

Talvez por arrogância ou falta de comunicação, o governo não conseguiu explicar os custos elevados para a realização da Copa do Mundo.

O governo acha que tem explicações para o custo de estádios, como aconteceu em Brasília, dobrarem de preço: “os controles rigorosos” determinados por uma legislação que em vez de depurar, paralisa o sistema das contratações.

Em segundo lugar, o governo se dedicou a executar determinadas políticas de segmentos e se esqueceu das políticas universais para educação e saúde, por exemplo. Estava nas faixas dos manifestantes.

Terceiro, a sensação de retorno da inflação. Por enquanto não se pode afirmar que a reeleição de Dilma esteja ameaçada. Mas a inflação mata. E às vezes mata não apenas um candidato, mas toda uma geração de políticos, como aconteceu em 1989, nos estertores do governo Sarney.

Dois anos antes, José Sarney teve o ônibus de sua comitiva apedrejado no Rio. O Plano Cruzado havia fracassado. Na eleição de 1989, caíram todas os políticos tradicionais: Ulysses Guimarães, Aureliano Chaves e até um não tão tradicional assim: Mário Covas. Restou o novo: os ex-presidentes Collor e Lula.

Se a velocidade dos acontecimentos não alterou radicalmente o panorama detectado nas últimas pesquisas, Dilma continua favorita em 2014, mas precisa cuidar mais do governo que da reeleição e, sobretudo, estabelecer um canal de diálogo com a sociedade. O atual governo é incapaz de dar satisfações sobre seus atos.

Um eventual processo de impeachment, como já chegou a ser noticiado, no momento não tem a menor chance de ser recebido pelo Congresso, controlado pelo PMDB, aliado de Dilma. Mas os políticos já compreenderam, embora ainda não saibam como vão reagir: a onda de manifestação é um ataque frontal à legitimidade da representação.

Governo e Congresso estão todos no mesmo barco.

Não deixa de ser curioso que a defesa do poder de investigação do Ministério Público Federal também tenha feito parte da pauta difusa dos manifestantes: o Congresso está em vias de votar a PEC 37, que retira esses poderes. Bem ou mal, o MPF funciona como uma barreira a malfeitos do Executivo e Legislativo, geralmente nos seus conluios com a iniciativa privada.

Ao Congresso cabe ter juízo e compreender que suas funções vão muito além da liberação de verbas por meio de emendas parlamentares. Se o sistema político travou, é hora de levar a sério a reforma política.

Se tiver juízo, o governo adota uma postura mais humilde, explica suas decisões e amplia as políticas públicas para além daqueles segmentos que lhe rendem votos para se perpetuar o poder. Não basta reconhecer a legitimidade e dizer que as manifestações comprovam a energia da democracia. Generalidades vazias.