BCs testam maior flexibilização para metas

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Autor(es): Por Roberta Costa e Aline Oyamada | De São Paulo

O comitê de política monetária do Banco Central brasileiro se reúne nesta semana em um ambiente de inflação elevada. Os analistas seguem há meses discutindo se haverá alta de juros já ou adiante e se, no limite, o regime de metas de inflação está sendo, mesmo que informalmente, flexibilizado no Brasil. Este é um tema crescente nas discussões acadêmicas mundo afora, em discursos de autoridades monetárias e por agentes do mercado. Isso seria possível no Brasil atual?

O Copom decidirá o rumo da taxa de juros no momento em que o teto da meta de inflação de 6,5% foi estourado na última apuração do IPCA relativa ao mês de março (6,59%, em 12 meses). Em janeiro do ano passado, quando a Selic era de 10,5%, a inflação anual corria a 6,22%. Portanto, o juro real “desapareceu” entre esses dois períodos, caindo de 4,28% para pífio 0,66%.

Um dos pontos que mais chama atenção na decomposição da inflação de 2012 é o impacto bastante relevante da “inércia” e das “expectativas de inflação”. Em um cálculo alternativo à metodologia do BC (que considera apenas o desvio da inflação em relação à meta), a consultoria MCM estima que estes dois componentes responderam por 84% do IPCA. Isso mesmo considerando o cardápio de medidas em prol da queda de preços, como desonerações tributárias, revisões e postergações de reajustes tarifários. O fato é que, desde meados de 2010, as expectativas dos agentes estão visivelmente desancoradas, o que se traduz no “índice de surpresa inflacionária” em terreno positivo há nove meses, isto é, a inflação efetiva superou as expectativas em todo este período.

Ademais, as projeções do relatório Focus estão renitentemente acima de 4,5%, o que torna a opção – ainda que informal – por uma “meta flexível” de inflação um risco para a estabilidade intertemporal de preços no Brasil.

A estratégia do governo brasileiro em focar o crescimento, pagando com mais inflação por isso, não é exatamente uma exceção entre os países que adotam metas formais de inflação nestes tempos de crise. Mas há diferenças estruturais no manejo da política monetária. Uma delas é justamente a coordenação de expectativas, o que faz com que, mesmo em períodos em que a inflação corrente esteja acima do desejável, a convergência futura seja certa na visão do mercado, o que pode ser provado na inflação implícita dos papéis indexados em períodos longos.

Este é o caso do Banco da Inglaterra (BoE, na sigla em inglês), que mostra inflação acima da meta de 2% desde dezembro de 2009 e vem discutindo, intensamente, o uso de maior flexibilidade na condução de sua política de meta de inflação, inclusive dando holofotes ao tema da adoção do PIB nominal como instrumento de manejo da política monetária.

No caso do Japão, o intenso bombardeio ao ambiente deflacionário que vigora há 15 anos e a instituição da meta formal de 2% para a inflação depende, de forma análoga, da coordenação de expectativas, exatamente o que têm feito o premiê Shinzo Abe e o novo presidente do BC japonês, Haruhiko Kuroda.

A “flexibilidade” citada em entrevista recente de Kuroda tem a ver com o receio de que tamanha injeção de liquidez crie bolhas de ativos e, nesse caso, o BC poderia desacelerar (ou interromper) os estímulos mesmo antes de a meta de inflação ser atingida. Um problema, portanto, único no rol dos bancos centrais dos países desenvolvidos e peculiar por refletir questões absolutamente singulares do Japão, como a elevada poupança e o envelhecimento da população em idade ativa.

O sistema de metas de inflação (“inflation target” ou IT) foi inaugurado na Nova Zelândia, em março de 1990. Em função do seu sucesso, transparência e “accountability”, o modelo logo foi adotado por Canadá, Austrália, Reino Unido, Suécia e Israel. Em seguida, se tornou popular na América Latina (Brasil, Chile, México, Colômbia e Peru) e em outros países em desenvolvimento (África do Sul, Coreia do Sul, Indonésia, Tailândia e Turquia). Seu “sucesso” deveu-se, como seria natural, ao fracasso do regime predecessor, o de metas de câmbio.

Ao longo das mais de três décadas do “inflation target”, variações do regime foram propostas por conta de mudanças dos ciclos econômicos ou em resposta a eles. Questionamentos acerca do modelo cresceram exponencialmente na medida em que a crise se aprofundava, expondo suas vulnerabilidades. Daí vieram as propostas de uso de “metas para o nível de preços” e não para a variação (“Price Level Target”) ou para o “núcleo da inflação”. A vertente mais nova é justamente o regime de “metas de inflação flexível”, sob o qual é permitido prezar o crescimento do PIB no curto prazo desde que as expectativas inflacionárias de longo prazo permaneçam ancoradas.

 

Um dos instrumentos que vem sendo alvo de análises por todo o globo é a instituição de uma meta formal de “PIB nominal”. Possibilidade que está na pauta do BoE e que será explanada no relatório de inflação de agosto, como proposto pelo ministro das Finanças britânico, George Osborne, na apresentação do orçamento fiscal de 2013.

Como Mark Carney, atual presidente do Banco do Canadá e próximo presidente do BoE, é grande defensor da ideia, não será surpresa uma mudança consistente no manejo da política monetária do Reino Unido. Osborne já flexibilizou o arcabouço formalmente com: 1) aceitação de desvios temporários da inflação em prol do crescimento; e 2) o descumprimento da meta não implica o descumprimento do mandato do banco central.

Os defensores deste modelo argumentam que, ao contrário do que ocorre quando se mira a inflação, a meta para o PIB nominal evita o aperto excessivo da política em resposta a choques adversos de oferta. Nesse caso, o choque é automaticamente dividido entre a inflação e o PIB real. Outra vantagem desse regime é que seus formuladores o veem como uma forma de atingir a expansão monetária necessária nos tempos atuais. Mas críticas bem consistentes, evidentemente, não faltam.

O fato é que, seja qual for a opção de mudança de um banco central rumo a mais flexibilidade na condução do regime de metas de inflação de forma a não impactar demasiadamente o produto, ela depende, antes de tudo, da credibilidade da autoridade monetária. Esse é, sem dúvida, o caso do Reino Unido, do Japão e dos EUA, que instituiu parâmetros de níveis de desemprego e inflação esperada no escopo da administração da política monetária. A credibilidade dos BCs se reflete, obviamente, na ancoragem das expectativas. Algo para o Copom pensar.