O defensor de metas do PIB nominal

258

Autor(es): Por Sergio Lamucci | De Washington

Valor Econômico – 05/04/2013

 

 

O economista Scott Sumner é um dos mais aguerridos defensores da adoção de metas para o Produto Interno Bruto (PIB) nominal como o melhor regime para a condução da política monetária. Ph.D. pela Universidade de Chicago e professor da Universidade de Bentley, em Massachusetts, Sumner vê no sistema a arma mais adequada para o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) fazer o país sair do quadro atual de baixo crescimento e também como a opção mais indicada para tempos de normalidade. Por meio do blog The Money Illusion, iniciado em 2009, passou a martelar a ideia antes de ela ganhar o apoio de economistas como Christina Romer, ex-chefe do Conselho de Assessores Econômicos do presidente Barack Obama, e Jeffrey Frankel, da Universidade de Harvard.

“É uma política que oferece maior estabilidade macroeconômica. Leva a uma inflação razoavelmente baixa ao longo do tempo, na média, e modera o ciclo de negócios, tornando os momentos de aquecimento e desaquecimento menos intensos”, disse ao Valor, ao comentar as vantagens da meta para o PIB nominal (o valor em moeda corrente de tudo o que o país produz).

Sumner é considerado um dos principais nomes do chamado monetarismo de mercado (ler mais na página 11). Em 2012, a revista “Foreign Policy” o escolheu como um dos cem principais pensadores globais do ano. Ele ficou em 15º lugar, empatado com o presidente do Fed, Ben Bernanke.

Embora veja méritos nas medidas recentes adotadas pelo Fed, Sumner considera que a política monetária americana tem sido muito contracionista desde 2008. “Eu de fato dou crédito ao Fed por tentar algumas coisas, como o QE [o chamado afrouxamento quantitativo, cuja terceira rodada envolve a compra mensal de US$ 85 bilhões de títulos do Tesouro e papéis lastreados em hipotecas, para manter baixas as taxas de longo prazo], à comunicação sobre as metas para a inflação e o desemprego, com o compromisso de manter os juros baixos enquanto esses alvos não forem atingidos. O Fed foi mais agressivo que o Banco Central Europeu” disse. Para ele, porém, a adoção de uma meta para o PIB nominal seria mais eficaz. Seu receituário para a adoção de uma meta para o PIB nominal pelo Fed envolve alguns passos:

1- A definição de uma tendência para a trajetória do PIB nominal, com o detalhamento do ponto em que a economia está no momento e para onde a autoridade monetária pretende levá-la, com o anúncio de quanto tempo deve durar esse processo.

2 – O estabelecimento do ritmo do PIB nominal para a economia americana. Sumner vê com bons olhos um número entre 4% e 5%. Em artigo publicado em 2011, Christina Romer, hoje na Universidade da Califórnia, em Berkeley, sugeriu um ritmo de 4,5%, levando em conta 2,5% como um crescimento “normal” para o PIB real e 2% para a inflação, que o Fed vê como adequado para o longo prazo. “Estaria satisfeito com esses números”, disse Sumner.

3 – Para Sumner, nas circunstâncias atuais, o Fed não deveria tentar compensar toda a “perda” registrada desde o começo da crise, dada pela diferença entre a trajetória efetiva do PIB e a sugerida pela tendência definida para o PIB nominal. Isso implicaria uma política expansionista em excesso, afirma ele, observando que a variação do PIB nominal desde o começo da crise ficou muito abaixo do que deveria, levando em conta um aumento anual de 4,5%. No fim de 2011, Christina calculou que o PIB nominal estava 10% abaixo da trajetória que deveria ter ocorrido caso crescesse a esse ritmo desde 2007. “Proponho que se volte algo como um terço em relação à antiga linha de tendência”, afirmou Sumner.

Ele prefere que o Fed use a base monetária como instrumento de política, ainda que também possa utilizar a taxa de juros: “Seria melhor que o Fed não tivesse que mudar os instrumentos de política no meio de uma crise”. Hoje, por exemplo, há limitações porque os juros estão próximos de zero.

Sumner tem simpatia por uma abordagem mais radical e, para ele, possivelmente mais eficaz: um mercado de contratos futuros para o PIB nominal, o que “limitaria o papel do Fed em determinar a meta para o PIB nominal e deixaria que os mercados definissem a oferta de moeda e os juros”, como escreveu na revista “National Affairs”. Reconhece, porém, ser difícil os BCs caminharem nessa direção.

Na entrevista ao Valor, Sumner disse que, se o Fed já trabalhasse com uma meta para o PIB nominal, a crise que começou em 2007 e se agravou em 2008 teria sido provavelmente menos grave. E o Brasil, deve usar o sistema? “É possível, mas seria necessário olhar quanto o PIB do Brasil sobe e desce em razão de grandes movimentos dos preços globais de commodities.” Segundo ele, “se um país depende muito de uma commodity, como o petróleo, e os preços do produto sobem muito, a produção nominal da indústria do setor vai aumentar muito. Se houvesse uma meta para o PIB nominal, você teria que encolher a produção nominal dos outros setores”. O modelo funciona em países com economias grandes e diversificadas, disse Sumner. A seguir, os principais trechos da conversa, realizada depois de um debate em Washington, no American Enterprise Institute, um centro de estudos conservador.

Valor:Por que o Fed deve adotar uma meta para o PIB nominal?

Scott Sumner: É uma política que oferece maior estabilidade macroeconômica. Leva a uma inflação razoavelmente baixa ao longo do tempo, na média, e modera o ciclo de negócios, tornando os momentos de aquecimento e desaquecimento menos severos. Há crescimento mais estável do PIB real e a manutenção da inflação relativamente baixa na média, embora com alguma flutuação.

Valor: É algo que deve ser usado apenas em momento de exceção, como o atual, em que a economia mostra muitas dificuldades para crescer, ou deve ser adotado definitivamente como regime de política monetária?

Sumner: É um regime para qualquer circunstância. Não gosto que se usem regimes temporariamente para uma situação específica, porque não são eficazes desse modo. Para ser o mais eficaz possível, tem que ser crível, com as pessoas esperando que o PIB nominal cresça a uma tendência de 5% ao ano, por exemplo, e volte a essa tendência se a economia se afastar dela. Isso requer o compromisso do Fed no longo prazo. Acho que é uma política excelente para nos fazer voltar à normalidade, mas também, se voltarmos à tendência de crescimento, é uma boa política para moderar o ciclo de negócios e fazer a economia crescer a uma taxa razoavelmente estável.

Valor: Se os bancos centrais adotassem o regime de metas para o PIB nominal, a crise que começou em 2007 e se agravou em 2008 teria sido evitada ou pelo menos amortecida?

Sumner: Acho que teria sido menor. Teríamos tido uma crise do subprime (as hipotecas de maior risco) nos EUA, e a Europa teria alguns problemas no mercado imobiliário. Mas a segunda fase da crise, depois da quebra do Lehman Brothers, teria sido muito menos grave. Foi quando a crise se espalhou das hipotecas subprime para muitos outros tipos de dívidas. A crise teria sido mais suave financeiramente e a recessão, menos grave, talvez uma recessão suave. Não teria resolvido totalmente o problema, mas teria sido menos grave.

Valor: Como a meta para o PIB nominal teria ajudado a evitar uma crise mais grave?

Sumner: Primeiro, vamos analisar a questão do mercados de ativos. Se você acredita que o PIB nominal vai crescer a uma taxa razoavelmente estável, os preços de ativos vão refletir esse crescimento esperado e não vão cair com tanta força. No fim de 2008, todos os preços de ativos – ações, commodities, imóveis – caíram com muita força. Uma expectativa de crescimento mais forte do PIB nominal tenderia a segurar os preços de ativos num nível mais alto, o que melhoraria os balanços dos bancos. Lembre que bancos de investimento altamente alavancados, como o Lehman, viram os seus balanços piorarem. Finalmente, com crescimento mais forte do PIB nominal, a tendência é conseguir crescimento mais forte do PIB real e menos desemprego.

Valor: O que o Fed não antecipou naquele momento?

Sumner: Eles não anteciparam o quão grave seria a recessão. Ainda estavam um pouco preocupados com a inflação. Dois dias depois da quebra do Lehman Brothers, tiveram uma reunião e decidiram não cortar os juros abaixo de 2% ao ano. Eles apontaram a inflação mais alta como um risco, porque no ano anterior a inflação tinha sido elevada, por causa do aumento dos preços do petróleo. Mas o problema real era que caminhávamos para a deflação no começo de 2009. Eles olharam demais para trás, para a inflação alta do ano anterior, ignorando a piora rápida da economia.

Valor: Como o sr. analisa a política do Fed?

Sumner: Eles fizeram alguns esforços recentes, mas nos últimos quatro ou cinco anos a política foi muito contracionista. Gostaria de ter visto crescimento mais rápido do PIB nominal. Eu de fato dou crédito ao Fed por tentar algumas coisas, como o QE, à comunicação sobre as metas para a inflação e o desemprego, com o compromisso de manter os juros baixos enquanto esses alvos não forem atingidos. O Fed foi mais agressivo que o Banco Central Europeu. Com isso, o PIB nominal nos EUA cresceu mais rápido do que na Europa, e a situação do desemprego nos EUA está melhor do que a europeia nos últimos anos, em parte por causa dessa diferença do crescimento do PIB nominal. Tenho sentimentos contraditórios. Bernanke está tentando mover o Fed um pouco na direção correta, mas na média, nos últimos quatro anos, o banco foi muito contracionista. O QE, por exemplo, não é tão eficaz agora porque eles não têm uma meta para o PIB nominal, o que criaria melhores expectativas. Grande parte do dinheiro colocado no sistema bancário está parado, porque as pessoas estão pessimistas em relação à economia. Se elas esperassem crescimento mais rápido do PIB nominal, seria mais provável que eles fizessem o dinheiro circular, para mover a economia.

Valor: O sr. vê o resultado do afrouxamento quantitativo como um problema, dado o crescimento do balanço do Fed?

Sumner: Não, não é um motivo de preocupação. Primeiro, se o Fed perder dinheiro nos seus títulos, o Tesouro ganha uma quantidade equivalente. O que é um ativo para o Fed é uma dívida para o Tesouro.

Valor: Alguns analistas dizem que o regime de metas de inflação tem a vantagem de ser mais simples e transparente do que a meta para o PIB nominal. Como o sr. avalia essa afirmação?

Sumner: Os bancos centrais dizem que miram a inflação, mas na verdade estão interessados em algo diferente. Um exemplo: se a inflação está na meta e a economia entra em recessão, o BC normalmente corta os juros. Mas por que eles cortam os juros, se a inflação está na meta e eles têm a inflação como alvo? Eles levam em conta a inflação e o crescimento real. Se eles se comportam desse modo, por que não ser explícito a respeito disso, criando uma variável como meta que combine as duas coisas com as quais os BCs se importam?

Valor: O regime de metas para o PIB nominal deve ser adotado em qualquer país?

Sumner: Não. Para economias pequenas, em que um setor é muito volátil, não é adequado. Ele deve ser adotado por economias muito grandes e diversificadas. Se um país depende muito de uma commodity, como o petróleo, e os preços do produto sobem muito, a produção nominal da indústria do setor vai aumentar muito. Se houvesse uma meta para o PIB nominal, você teria que encolher a produção nominal dos outros setores. Países menores têm que ser mais flexíveis. Devem olhar a inflação de preços, de salários, para indicadores mais tradicionais. Metas para o PIB nominal são adequadas para economias grandes e diversificadas, como Japão, Reino Unido e EUA.

Valor: O Brasil deveria usar?

Sumner: É possível, mas seria necessário olhar quanto o PIB do Brasil sobe e desce em razão de grandes movimento dos preços globais de commodities. Uma possibilidade para o Brasil, se isso for um problema, seria olhar uma categoria mais estreita, com a renda total nacional em salários, deixando de fora lucros, alugueis, por exemplo, para tirar o efeito das mudanças dos preços de commodities. Mas eu teria que olhar com mais atenção para os números brasileiros para analisar se uma meta para o PIB nominal funciona nesse caso.

Valor: Quem não é economista vai entender uma meta para o PIB nominal? Não é mais natural ter uma meta de inflação?

Sumner: Poderíamos chamar de meta para a renda nacional e não meta para o PIB nominal. E explicar que a economia é mais estável quando a renda nacional total cresce de 4% a 5% por ano. O PIB nominal é basicamente a renda nacional bruta. Seria mais fácil vender a ideia para o público com essa classificação.