Em busca da divina taxa neutra

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Antonio Delfim Netto

Valor Econômico – 19/03/2013

 

 

Alguns “investidores financeiros”, aqueles que vivem de comprar e vender papéis que são mera transferência de riqueza imaginária construída como “derivativos” da riqueza real representada pela produção física de bens e serviços, estão em pânico. Não financiam a produção. São apenas intermediários da pura especulação financeira. Enriquecem seguramente com as comissões recebidas com a aplicação de poupança de incautos que creem estar construindo uma poupança para a aposentadoria, mas em lugar disso empobrecem. Embolsam as comissões e não têm mais nenhuma relação com o aplicador sobre o qual recairão os riscos futuros.

É por isso que, sem rebuço ou constrangimento, podem recomendar a compra de um papel por R$ 25 com uma “perspectiva” de retorno real de 5% ao ano nos próximos cinco anos e, dois anos depois, informá-los que devem vendê-lo (e pagar-lhes nova comissão) antes que eles atinjam R$ 1. Precisamos de uma boa revolução dos minoritários!

Talvez os crentes e incautos estejam pensando que o pânico é arrependimento ou um ataque de moralidade tardia. Nada disso. É porque a tragédia mundial, da qual eles foram “causa causans”, baixou a taxa de juros e vai tornando cada vez mais complicadas as tais aplicações “financeiras”. É mais do que evidente que o atual cabo de guerra travado pela autoridade monetária é com tais vendedores de “vento” que precisam desesperadamente de uma alta da Selic.

Crise complicou as tais aplicações “financeiras”

A inflação que estamos vivendo é grave e tem causas complexas e estruturais que precisam ser enfrentadas, sem destruir o processo civilizatório de construção da inclusão social que combinou um aumento do crédito com a expansão da renda real dos trabalhadores e levou a uma pequena redução das desigualdades de renda através de políticas públicas bem focadas. Isso impõe, em primeiro lugar, a redução da velocidade do impulso redistributivo e uma atenção especial à organização do mercado de trabalho, em particular da política salarial diretamente controlada pelo governo. Em segundo lugar, é preciso aceitar o fato que sofremos um importante choque de oferta produzido pela queda da produção agrícola que provavelmente se corrigirá com o aumento da safra 2012/13. Em terceiro lugar, os preços de nossas exportações pressionarão menos os preços internos não apenas porque eles parecem ter entrado num período mais calmo, como porque a depreciação do real será menor.

É essa a situação a que se refere o parágrafo 28 da última ata do Copom:

“Embora a dinâmica inflacionária possa não representar um fenômeno temporário, mas uma eventual acomodação da inflação em patamar mais elevado, o Comitê pondera que incertezas remanescentes – de origem externa e interna – cercam o cenário prospectivo e recomendam que a política monetária deva ser administrada com cautela.”

“Com cautela” é a resposta do Copom à lei de Brainard: “Quando você não sabe o que está fazendo, faça devagar, por favor!” É mais do que razoável supor que um aumento apressado da Selic para servir aos vendedores de “vento” não teria efeito rápido e decisivo sobre a taxa de inflação ou sobre a sua expectativa. Pelo contrário, quando lhes forem concedidos os primeiros 25 pontos de porcentagem não se contentarão enquanto a taxa de juro real não atingir a 4% ou 5%. Tentam convencer a sociedade que é essa a “taxa neutra de juros”, o que com uma expectativa de inflação de 5,5%, significa uma Selic da ordem de 9,5%.

Mas, se o diagnóstico consensual de hoje é que a inflação não é produzida por um excesso de demanda (e como pode sê-lo com o PIB crescendo a 2,5%?), mas a um “travamento” da oferta, resta perguntar se uma taxa de juros real de 4% a 5% estimula ou reduz a oferta global. Na demanda global, o efeito sobre o consumo é mínimo, porque as taxas de juros reais ao consumidor ainda estão muito altas. Quanto às despesas públicas, transfere renda para os “rentistas” em detrimento dos trabalhadores pelo aumento do custo da dívida pública. Certamente reduzirá os investimentos. Por outro lado, o aumento dos juros pressionará uma valorização do real. No fim, o efeito deve ser ligeiramente negativo, o que não sustentaria o crescimento de 2,5% atual, com resultados desprezíveis sobre a taxa de inflação, como mostrou 2012 (0,9% de crescimento e inflação de 5,8%).

E do lado da oferta? Aqui os efeitos parecem mais claros. Destravar a oferta significa: 1º) aumentar os investimentos públicos e acelerar os leilões de concessão; e 2º) estimular os investimentos privados, o que exige menor taxa de juros real e perspectiva de maior retorno do capital pelo aumento prospectivo da demanda. Nada disso será feito apenas porque se aumentou a taxa de juro real. O efeito final também será negativo.

É lamentável que diante de uma situação tão complexa, alguns economistas continuem pensando que a salvação está na divina taxa de juros “neutra”. Aquela que apenas manipulando a Selic, levaria a economia ao pleno uso da sua capacidade produtiva e à taxa de inflação constante determinada pela autoridade monetária. Aquela mesma que o FMI declarou no dia 19/11/2012 “que não pode ser observada e que não existe o melhor método de estimá-la”, mas que sem nenhum escrúpulo, “estima entre 4,7% e 5,3%”!

O Copom tem razão. Muito melhor do que sugerir a busca da taxa “neutra” é adequar o ativismo fiscal e confiar na sua “cautela” e disposição de agir se necessário.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras