O choque que não veio

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Brasil S.A

Autor(es): Ana D’Angelo

Correio Braziliense – 26/11/2012

 

 

O governo Dilma Rousseff completa metade do mandato com o mesmo grande problema de quando assumiu, e que é, hoje, um dos principais entraves à execução dos investimentos públicos em obras de infraestrutura e à melhora da qualidade dos serviços oferecidos à população: o gerenciamento da máquina administrativa. Em dois anos de gestão, Dilma enfrentou os principais desafios regulatórios macroeconômicos para que o país não afundasse junto com a Europa, que foram fundamentais para romper alguns dos gargalos que impedem o crescimento sustentado do país. Foram questões complicadas envolvendo grupos fortes, com lobbies eficientes, que atuam inclusive por meio da mídia. 

Assim aconteceu com os juros altos e os spreads astronômicos cobrados pelo sistema financeiro, passando pela alteração da rentabilidade da caderneta de poupança e pela apreciação do câmbio e, mais recentemente, pelo rentismo do setor elétrico. Bom lembrar que a redução do custo de energia é uma demanda antiga e reiterada da indústria e do comércio, como era a queda da taxas de juros. 

O grande gargalo, no entanto, continua sendo o mau gerenciamento do Estado, considerado a especialidade da presidente. A máquina é ineficiente não só quando executa diretamente as ações e projetos. Até na hora de transferir certas áreas para a iniciativa privada, o Estado se mostra incapaz de fazer isso de forma adequada em tempo e hora, como mostram as recentes críticas à falta de regras claras na regulação de setores como petróleo e transportes. O arrendamento dos três maiores aeroportos do país continua dando pano para manga. 

É preciso reconhecer, no entanto, que o mau gerenciamento administrativo não é de agora. Não é um problema de Dilma, e sim do Estado brasileiro, que vem desde o fim da ditadura, eficiente na execução de projetos, mas que empurrava goela abaixo as regras e normas engendradas no gabinete militar. 

Regra geral
O fato é que o país não está sendo capaz de garantir eficiência executória em ambiente democrático, que pressupõe o controle dos poderes políticos. Criou-se um monte de detalhes e bucrocracias procedimentais que se mostraram muitas vezes inúteis. Não impediram a corrupção e travaram o andamento das ações. Um exemplo é a Lei n° 8.666, das Licitações Públicas, complexa e cheia de regras e procedimentos para regular a contratação pela administração. 

Até a combativa ministra do Superior Tribunal de Justiça e ex-corregedora do Conselho Nacional de Justiça Eliana Calmon defende a revisão da lei, alegando que o excesso de normas  acabam por facilitar a corrupção em vez de coibi-la. Uma alternativa seria adotar como regra geral o Regime Diferenciado de Contratação (RDC), válido para as obras da Copa e das Olimpíadas, estendendo-o a todos os empreendimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e ao conjunto da administração.

Gestão
Esse cenário que existe hoje remete ao nó do governo Dilma desde o início: a necessidade de um choque de gestão na área executiva. Um primeiro passo é implodir o Ministério doPlanejamento em relação ao seu sistema burocrático de funcionar. Quando assumiu em 2011, Miriam Belchior fez uma limpa nos cargos e politizou a pasta, colocando nomes de seu círculo pessoal em postos-chaves. Porém, o órgão continua como antes, com os mesmos procedimentos burocráticos, engolido pela gestão do orçamento e do gasto público. Com isso, a questão administrativa ficou em segundo plano.

Um exemplo da burocracia desnecessária: toda vez que um órgão precisa repor pessoal em caso de aposentadoria e morte tem que pedir autorização ao Planejamento para preenchimento das vagas abertas, quando este deveria simplesmente definir a lotação daquele e permitir a reposição automática dentro da dotação prevista sempre que necessário. 

Perfil
Embora receba inúmeras críticas pelos casos de corrupção descobertos, a administração petista hipertrofiou as áreas de controle e fiscalização, oferecendo altas remunerações e ampliando seus quadros. Porém, esqueceu-se daqueles que cuidam da execução das políticas públicas. Ou seja, há um problema claro de perfil da força de trabalho. 

Os ordenadores de despesas e operadores das máquinas dos ministérios, em geral, são de baixa qualificação, muitas vezes colocados no cargo para facilitar exatamente a malandragem. Ainda na gestão Lula, foi enviado projeto de lei criando a carreira de analista executivo, de nível superior, para trabalhar na área meio do governo. A proposta tramita no ritmo tranquilo do Congresso desde 2008.

Sintonia
Outra questão operacional diz respeito à falta de diálogo entre os servidores que formulam as políticas públicas e os que as controlam. A segmentação das funções faz com que cada um olhe apenas uma etapa do processo gerencial, sem a visão do todo, transformando-o em instrumento de disputa de poder. Um fato corriqueiro na administração pública é o engavetamento de projetos por não dialogar com a área de execução e controle. 

O desequilíbrio no perfil da força de trabalho e os entraves gerenciais burocráticos são problemas que a presidente precisa enfrentar para conseguir deslanchar os investimentos necessários ao crescimento do país.