O Copom e os juros

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Antonio Delfim Netto

Valor Econômico – 23/10/2012

 

 

É pouco provável que alguém ainda duvide do fato que o Banco Central do Brasil, sob o comando de Alexandre Tombini e apoiado por uma competente equipe técnica, mostrou estar mais antenado com a realidade brasileira e ter melhor incorporado a difícil situação mundial, do que a maioria de nossos acadêmicos ou analistas do sistema financeiro.

A introdução das medidas “macroprudenciais” (que afinal não eram novidade nos anos 70 do século passado!) foi inicialmente recebida com grande ceticismo. O desenvolvimento posterior da conjuntura econômica mostrou que elas não só foram altamente efetivas, como talvez tenham sido subavaliadas.

Abriu-se, assim, um espaço para a redução consistente da taxa de juro real reclamada há décadas pela economia brasileira. A maior taxa de juro real, do universo conhecido, promoveu um movimento de capitais especulativos que ajudou a supervalorizar a taxa de câmbio real, acentuando os inconvenientes da redução da atividade global produzida pelo controle monetário.

O futuro continua mais opaco do que sempre foi

Em um ano, o BC trouxe a Selic a 7,25%, o que, com uma expectativa de inflação para os próximos 12 meses da ordem de 5,5%, nos deixa com uma taxa de juro real em torno de 2%. Longe, ainda, da taxa de juro real do mercado internacional, que anda à volta de – 2%. O atual diferencial de juro interno e externo é parecido com 4%.

Num ambiente de política cambial defensiva, deixa ainda margem para exploração (sem opinião moralista, mas em um dos sentidos do verbete no nosso “Aurélio”: “pesquisa, sondagem”) de oportunidades lucrativas para o capital estrangeiro de curto prazo, principalmente diante da contínua enxurrada de liquidez produzida externamente.

Na ata da última reunião do Conselho de Política Monetária (Copom) encontram-se os argumentos utilizados por parte dos seus membros (cinco entre oito) para a redução adicional de 0,25% da taxa e a informação que se trata de um “último ajuste nas condições monetárias”, acompanhada da convicção de que sua estabilidade promoverá um ambiente propício que, com movimentos não lineares, ajudará a economia a acomodar-se, num prazo não especificado, à taxa de inflação de 4,5% ao ano.

É claro que com o nível de atividade atual (PIB menos de 2%), a preocupação com o crescimento assumiu um peso importante na decisão, mesmo porque nossa política econômica é de legítima defesa contra as políticas monetárias externas que procuram desvalorizar suas moedas. É preciso ser muito desinformado para não saber que os EUA tentam abertamente reduzir seu déficit em conta corrente não apenas aumentando a sua oferta interna de energia, mas estimulando um dólar “fraco” para ampliar suas exportações.

Quais foram os argumentos vencedores na reunião do Copom? Primeiro, que as incertezas e as fragilidades da situação mundial serão mais prolongadas do que se supunha que fossem e, assim, deverão nos ajudar com alguma redução da pressão inflacionária externa. Segundo, que boa parte dos recentes movimentos da taxa de inflação são produzidos por “choques de oferta”, cuja característica é a sua reabsorção no prazo médio, o que justificaria um último ajuste nas condições monetárias de 0,25%.

E os argumentos dos votos vencidos? Eles sugeriram que a recuperação econômica em marcha, produzida pelos estímulos monetários, fiscais e cambiais já concedidos, ainda não se completou e que, portanto, não seria necessário um corte marginal na taxa de juros Selic.

Vemos que o dissenso foi mais questão subjetiva: como cada um vê a velocidade e a eficiência com que o mundo poderá livrar-se das incertezas criadas pela crise financeira de 2007. É difícil decidir quem, afinal, estará certo, porque o futuro continua mais opaco do que sempre foi e inexiste, de fato, uma liderança política mundial forte e bem informada. O “crash” atual entre a cabeça dura de Merkel e a vazia de Holland, somado às confusões que poderão advir do processo eleitoral americano, são as únicas coisas claras do cenário mundial!

Note-se que não se tratou de um problema técnico. É um problema de escolha na incerteza com probabilidades desconhecidas. O nosso “palpite” (e talvez, desejo), por que não é mais do que isso que se trata, é que o cenário incorporado pelos votos vencedores tem maior probabilidade de realizar-se.

É preciso uma certa humildade e desconfiar das afirmações apodícticas de alguns analistas, que se supõem portadores da verdadeira ciência econômica. Infelizmente não somos.

Não obstante, os conhecimentos que acumulamos são importantes para a construção de políticas públicas numa sociedade que se pretende, como a nossa, ser republicana, onde todos, inclusive o governo, obedecem à mesma lei, sob controle de um Supremo Tribunal Federal independente; ser democrática, onde o poder incumbente obedece regras claras de periodicidade e o sufrágio universal é praticado livremente e sem fraudes e, não menos importante, ser razoavelmente justa, onde se procura, com afinco, uma relativa “igualdade de oportunidades” para todo cidadão, independentemente de onde e como nasceu, de sua cor ou de sua etnia.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras