Crescimento sem mudança estrutural?

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Autor(es): José Luis Oreiro

Valor Econômico – 23/10/2012

 

 

Nos últimos dois meses se observou um certo aumento, ainda que tímido, do otimismo com respeito à perspectiva de crescimento da economia para o ano de 2013. Com efeito, os dados mais recentes parecem sugerir uma retomada do crescimento da produção industrial, condição sine qua non para a obtenção de taxas de crescimento mais robustas para o Produto Interno Bruto (PIB).

A partir dos dados da média móvel dos últimos 12 meses da produção física da indústria de transformação (figura), a tendência polinomial (ordem 6) da série de tempo sugere que o ciclo mais recente de queda da produção industrial está se esgotando, e o cenário mais provável para os próximos meses é de expansão do quantum produzido.

A equipe econômica do governo tem utilizado os dados mais recentes da produção industrial para alardear o retorno da economia brasileira a uma trajetória de crescimento acelerado a partir de 2013. Comenta-se que a economia brasileira voltará a crescer a uma taxa entre 4% a 4,5% ao ano de forma sustentada e sem pressões inflacionárias relevantes. Sendo assim, o Brasil retornaria ao padrão de crescimento vigente durante a “era Lula”, afastando assim o risco de um retorno ao padrão de crescimento do tipo “voo da galinha”, vigente durante o período FHC.

Ciclo de queda da produção industrial está se esgotando. Expansão é o cenário para os próximos meses

Não compartilho do otimismo da equipe econômica do governo. Isso porque a obtenção de uma taxa de crescimento entre 4% a 4,5% ao ano de forma sustentada, sem a ciclotimia do “stop-and-go”, requer não apenas a adoção de medidas anticíclicas como tem sido feito pela equipe econômica, mas a adoção de um conjunto de medidas de política econômica que permitam a ocorrência de uma mudança estrutural na economia brasileira. Mais especificamente, o crescimento acelerado e sustentado do PIB exige a reindustrialização da economia brasileira.

No início do governo Lula em 2003, a economia brasileira apresentava uma taxa de desemprego próxima a 12% da força de trabalho. Nessas condições, o PIB pode crescer durante vários anos a uma taxa superior ao limite dado pela soma da taxa de crescimento da população e a taxa de crescimento da produtividade do trabalho, soma esta denominada de “taxa natural de crescimento” pelo economista britânico R. F. Harrod. Enquanto existir um “exército industrial de reserva”, o crescimento do PIB a uma taxa superior a natural não irá pressionar o mercado de trabalho a ponto de induzir o surgimento da espiral salários-preços. Nesse contexto, a economia poderá crescer de forma acelerada, sem pressões inflacionárias relevantes.

Entre 2003 e 2010, a taxa de desemprego caiu de 12% para cerca de 5% da força de trabalho enquanto o crescimento da economia se acelerava de 2,5% ao ano (média FHC) para cerca de 4% ao ano (média Lula). A redução do desemprego acompanhada por aceleração do crescimento é sinal claro que, durante a era Lula, a taxa de crescimento do PIB foi maior do que a natural.

Mas qual seria o valor da taxa natural de crescimento da economia brasileira? A taxa de crescimento da população encontra-se atualmente em torno de 1,3% ao ano. Essa taxa pode ser considerada como uma variável exógena e, dentro de certos limites, independente da performance da economia. A taxa de crescimento da produtividade do trabalho na economia como um todo é uma variável endógena que depende, em grande medida, da taxa de crescimento da produtividade do trabalho no setor industrial. Esta, por sua vez, depende da taxa de crescimento da produção industrial com base na assim chamada “lei de Kaldor-Verdoorn”. Segundo estimativas de Nassif, Feijó e Araujo (2012)1 o coeficiente de KV para a indústria brasileira no período 1990-2010 é 0,521. Sendo assim, se considerarmos um cenário no qual a participação da indústria no PIB se mantém constante ao longo do tempo – de tal forma que a taxa de crescimento do PIB seja igual a taxa de crescimento da produção da indústria – e que a taxa de crescimento da produtividade do trabalho no setor não industrial é igual a taxa de crescimento da produtividade do trabalho na indústria; então a taxa natural de crescimento (g) será dada por g = 0,0272, ou seja, 2,7% ao ano!!!

Esses números apontam para a ideia de que um crescimento sustentado a taxas robustas da economia brasileira não é possível sem mudança estrutural. Em outras palavras, a produção física da indústria terá que crescer a uma taxa maior do que o PIB (ou seja, a participação da indústria no PIB deverá aumentar) para que a aceleração resultante do ritmo de crescimento da produtividade do trabalho, na indústria e fora dela, viabilize um aumento da taxa natural de crescimento da economia brasileira.

Em suma, a retomada do crescimento a taxas robustas e de forma sustentada ao longo do tempo exige um aumento da participação da indústria no PIB, ou seja, a reindustrialização da economia brasileira. Sem mudança estrutural a economia brasileira estará condenada a repetir a ciclotimia do “voo da galinha” vigente durante a era FHC.

1 Nassif, A; Feijó, C; Araujo, E. (2012). “Structural Change and Economic Development: is Brazil catching up or falling behind?”. Anais do V Encontro Internacional da Associação Keynesiana Brasileira.