O descaso com a inflação

139

O Estado de S. Paulo – 22/10/2012

 

 

Se não retomar sua função primordial, a de perseguir a me­ta da inflação, o Banco Central (BC) perderá sua capacidade de instilar confian­ça nos agentes econômicos, o que poderá ter conseqüências danosas para o crescimento no longo prazo. Com palavras se­melhantes a estas, ex-presiden­tes do BC apontam para os peri­gos que trazem para a econo­mia brasileira as mudanças na política econômica, em decor­rência, sobretudo, do descaso com que o governo vem avalian­do as tendências da inflação.

Ao atribuir a aceleração re­cente da inflação a fatores ex­ternos, como a alta dos alimen­tos no mercado internacional, e a problemas de produção no Brasil, as autoridades da área econômica procuram justificar os estímulos que continuam a oferecer ao consumo, como a expansão do crédito a juros menores nos bancos oficiais e a re­dução da taxa básica de juros (Selic) pelo BC.

O problema, porém, é que, ao proceder desse modo, ao contrário de combater, o gover­no pode estar estimulando os fatores que impulsionam a inflação. O fato de que a alta não se concentra nos itens aponta­dos pelo governo, mas vem se disseminando por um número çada vez maior de produtos, in­dica que não há um problema de oferta, mas de demanda. E as medidas tomadas nos últi­mos tempos pelo governo e pe­lo BC destinaram-se, exatamen­te, a estimular a demanda.

“Essas últimas reduções (da taxa Selic) estão preocupando”, disse o ex-presidente do BC (1999-2002) Armínio Fraga ao jornal Folha de S.Paulo (15/10). Em sua reunião mais recente, na semana passada, o Copom voltou a reduzir a Selic, em 0,25 ponto, para 7,25% ao ano, em decisão não unânime. “Não ficou muito claro o porquê do último corte (em setembro). Mais um neste momento re­quer uma certa explicação”, ob­servou Fraga.

Outro ex-presidente do BC, Carlos Geraldo Langoni (1980­-983), disse à Agência Estado que, por diversificar seus objeti­vos, como perseguir a meta de inflação, estimular o crescimen­to e monitorar a taxa de câmbio, o BC teve afetada sua capacida­de de gerenciar expectativas. “Eu gostaria que o BC voltasse à sua função básica, que é geren­ciar a meta de inflação.”

A inflação projetada pelo BC para este ano é de 5,2%. Docu­mentos recentes do BC proje­tam inflação de 4,9% para 2013 e de 5,1% no período de 12 meses que terminará no terceiro tri­mestre de 2014. O BC, diz Fraga, precisa fazer “alguma coisa que nos leve a crer que a inflação vai convergir para a meta, que é de 4,5%; a meta não é 5,2%”.

Gustavo Franco, que presi­diu o BC de 1997 a 1999, admite que as noções de disciplina mo­netária e de autonomia dos ban­cos centrais “foram desarruma­das com a crise de 2008” e que “há uma perplexidade sobre qual é o novo mandato dos BCs”. Mas, como disse ao Esta­do (14/10), “o momento é mui­to perigoso”.

A política fiscal é expansionista, com forte crescimento dos créditos oferecidos pelo BNDES, o que tem exigido re­cursos adicionais do Tesouro, que, para isso, tem emitido dívi­da pública. Outro problema que pode ter conseqüências graves é a política do governo de “resolver o problema dos ju­ros no braço”, como diz Fran­co. Há um erro de diagnóstico do governo nessa questão, co­mo houve quando, na década de 1980, se tentou conter a in­flação por meio de tabelamento ou congelamento de preços.

“Os juros são um preço de mercado, que refletem, sobre­tudo, a decisão das pessoas de comprar títulos públicos”, ob­servou Franco. “Quanto mais o Tesouro se endivida, mais puxa os juros para cima.” Assim, “re­duzir juros deveria começar pe­lo aumento do superávit primá­rio”. Mas o governo “só enxer­ga a política fiscal como instrumento para aumentar a deman­da”. A continuar assim, “vamos repetir o insucesso das políti­cas de estabilização” (da déca­da de 1980) – que, não custa lembrar, resultaram em índices astronômicos de inflação.

A fraca atividade econômica ajuda a conter a inflação. Mas, como advertiu Franco, “se o im­pulso fiscal continuar e o setor privado se animar, a inflação vai beirar o limite de tolerância do sistema de metas em seis meses”. Como reagirá, então, o BC? E com que credibilidade?