‘Os juros no Brasil estão exageradamente baixos’

226

Autor(es): RAQUEL LANDIM

O Estado de S. Paulo – 18/10/2012

 

 

Para Langoni, BC de Dilma vai enfrentar “teste definitivo” sobre sua autonomia em 2013

Se a economia se recuperar, o Banco Central pode ser obrigado a subir os juros em 2013. Esse será o “teste definitivo” para apurar se o BC perdeu sua autonomia no governo Dilma Rousseff. A avaliação é de Carlos Geraldo Langoni, que comandou a autoridade monetária entre janeiro de 1980 e setembro de 1983, no mandato de João Baptista Figueiredo, o último governo militar.

“Se a inflação não ceder ou apresentar sinais de aceleração, o BC terá que aceitar a inevitabilidade de um novo ciclo de alta da Selic”, diz Langoni, que hoje dirige o Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio. “Esse vai ser o grande teste. Até agora continuo acreditando que a autonomia do BC foi preservada.”

Langoni diz que os juros brasileiros hoje estão em patamares “exageradamente baixos”, cerca de 2% a 3% em termos reais (descontada a inflação). Ele acredita que, enquanto a taxa de poupança estiver em 18% do PIB, os juros não podem se manter nesse patamar quando a economia voltar a crescer. A seguir trechos da entrevista.

O tripé da política econômica se mantém no governo Dilma?

O que ocorre no Brasil é uma pequena amostra do que vem acontecendo a nível mundial. Os BCs estão mais focados em evitar uma depressão que no controle da inflação. Tinham um mantra de austeridade e ortodoxia e foram obrigados a trabalhar com instrumentos heterodoxos. No Brasil, vivemos um caso um pouco diferente, porque não houve uma grave crise. O BC injetou liquidez para compensar o aperto de crédito – utilizou as reservas internacionais, reduziu o compulsório e os juros. Em resumo, fez tudo que tinha de fazer, mas dentro de um receituário convencional. O Brasil saiu da crise com tanta força que estava crescendo em ritmo chinês. O BC, corretamente, voltou a apertar a política monetária e impôs restrições ao crédito. Até aí o tripé não havia sido modificado. Mas houve o rescaldo da crise europeia. A partir de meados de 2011, o foco da política do BC passou, gradativamente, evitar o impacto deflacionário da crise mundial.

O foco do BC mudou de inflação para crescimento?

Sem dúvida. Isso é visível e continua até agora. O BC claramente deixou de ter apenas um único objetivo e – a exemplo de outros bancos centrais do mundo, mas por razões distintas – começou a se preocupar também com o crescimento. Simultaneamente, o câmbio deixou de ser flutuante para se tornar quase fixo em R$ 2. Foi uma decisão do governo, mas acabou pensando nos ombros do BC. Hoje o banco central tem três objetivos: crescimento, inflação e câmbio. A meta de inflação foi flexibilizada e a de câmbio, enrijecida.

Essa guinada heterodoxa do BC foi técnica ou política?

Isso é o que vamos testar agora. De meados de 2011 até o terceiro trimestre de 2012, vivemos uma lua de mel monetária. O BC teve espaço para reduzir juros sem explosão da inflação. Há um desconforto inflacionário, que é caracterizado por expectativas de IPCA consistentemente acima da meta. E houve uma disparada nos índices gerais de preço, mas há sempre a desculpa de que foi causada pela seca nos Estados Unidos e pela alta do petróleo. A visão do governo e do BC é que isso é transitório, que os preços vão ceder no próximo ano, e que teremos menos inflação por conta do módico reajuste do salário mínimo e da redução do custo da energia. A interrogação é: será suficiente para compensar o impacto da retomada do crescimento? O mercado de trabalho permaneceu incólume na crise e os preços dos serviços seguem pressionados. Esse vai ser o grande teste. Até agora continuo acreditando que a autonomia do BC foi preservada. Se a inflação não ceder ou até apresentar sinais de aceleração, o BC terá que aceitar a inevitabilidade de um novo ciclo de alta da Selic.

Pode ser necessário então subir os juros em 2013?

Pode. O governo está fazendo uma aposta – o governo, e não o BC – de que há condições para a Selic permanecer nesse patamar. Acho uma aposta arriscada e precipitada. Dois fatores vão dificultar a vida do governo e colocar o BC num grande desafio. Primeiro, ainda temos uma indexação residual no país, baseada no IGP-M, que reajusta os alugueis e outros serviços. E o IGP-M já roda a 8%. Segundo, acredito que o governo vai ter bom senso e vai reajustar os combustíveis no ano que vem. É fundamental para recompor a rentabilidade da Petrobrás e viabilizar seus investimentos. O teste definitivo – se o BC perdeu ou não sua autonomia – vai ser nos próximos meses.

Com as desonerações tributárias e com o câmbio a R$ 2, o governo perdeu instrumentos para controlar a inflação?

A equação está ficando complicada. Parece claro que a meta cheia de 3,1% de superávit primário dificilmente vai ser alcançada. Para manter a Selic estável e evitar o aumento da inflação, o ideal seria apertar a política fiscal no ano que vem, com um superávit superior a 3,1%. Um dos efeitos colaterais desfavoráveis de adotar múltiplos objetivos é diminuir a eficácia do BC como gestor de expectativas. É uma consequência inevitável. As pessoas não sabem se a preocupação do Banco Central é a inflação ou salvar o sistema financeiro. No caso do Federal Reserve e do Banco Central Europeu, há muitas críticas de que essa enxurrada de liquidez vai, mais cedo ou mais tarde, provocar pressões inflacionárias. O argumento do Bernanke (Ben Bernanke, presidente do Fed) e do Draghi (Mario Draghi, presidente do BCE) é que não estão preocupados com isso nesse momento. A preocupação agora é ver luz no fim do túnel. No Brasil, o mercado já reflete a pouca transparência do BC em priorizar a inflação. As expectativas continuam rígidas e apontando inflação elevada.

A meta de inflação é alta no Brasil?

Sim, mesmo comparado com economias emergentes, que adotam 3% a 3,5%. O Brasil precisava dar alguns saltos para resgatar a credibilidade do BC. Reafirmar o compromisso com a convergência da inflação para a meta e formalizar a independência plena do banco central. Isso teria um enorme impacto positivo nas expectativas. Além disso, reduzir a meta de inflação. Poderia ser uma queda gradual: 4% nos próximos dois anos, 3,5% depois e chegando a 3%, que é o patamar que prevalece nas economias avançadas e emergentes.

É possível manter o câmbio fixo?

Não dá para fixar o câmbio arbitrariamente por uma decisão tecnocrática. Não dá para achar que esse é o nível de equilíbrio da taxa de câmbio em um mundo com grande mobilidade de capital. Se a economia mundial se recuperar e o grau de incerteza diminuir ao longo dos próximos anos, a tendência é ingressar um volume substancial de capitais de curto e de longo prazos no Brasil. A pressão para valorizar o câmbio vai ser enorme e o BC não vai conseguir segurar. Isso pode acontecer até pelo sucesso do País em aumentar a produção do pré-sal e virar um exportador de petróleo, o que eliminaria o déficit em conta corrente. O câmbio fixo em R$ 2 pode ser uma situação emergencial, mas tratar isso como política de longo prazo seria um grave erro.

Reduzir os juros é uma meta da presidente Dilma. Ela vai conseguir?

Sim, desde que sejam feitas outras reformas. A redução dos juros não pode ser artificial como um ato da vontade dos governos. Reduzir os juros quando a economia está estagnada é o que os bancos centrais fazem. Mas manter esse nível sem elevar a taxa de poupança doméstica é impossível. Os juros reais do Brasil estão hoje em patamares exageradamente baixos, cerca de 2% em termos reais. Enquanto a poupança doméstica estiver em 18% do PIB, os juros de equilíbrio não podem ser 2%. Não vamos comparar com os asiáticos, porque é covardia, mas na América Latina temos um país com juros reais estáveis sustentados em 3% a 3,5%. Esse país é o Chile, que tem um BC independente, uma longa tradição de inflação baixa e crescimento sustentado, e uma taxa de poupança doméstica de 26% do PIB. Nesse caso, há coerência e é possível manter os juros reais permanentemente baixos. O desejo da presidenta Dilma é legítimo e fundamental para alavancar o mercado de capitais e permitir um crescimento mais elevado, mas passa por reformas, inclusive previdenciária e tributária. O Brasil é um país que estimula o consumo de forma exagerada e taxa a poupança. Temos que estimular a poupança de longo prazo e eliminar o déficit nominal público.

A geração dos anos 90 não sabe o que é hiperinflação. Ainda há risco de a inflação fugir de controle?

É pouco provável por uma razão simples. A estabilidade não é fruto de uma opção de governo, mas uma demanda consolidada por toda a sociedade e, principalmente, pela nova classe média. A retirada de um grande número de pessoas da miséria e o sucesso do Bolsa Família não seriam possíveis sem a estabilidade monetária, sem o Plano Real e sua evolução quando, a partir de 1999, tivemos o regime de metas de inflação e a autonomia operacional do BC. É importante perceber que a estabilidade monetária é pré condição da mobilidade social que vem transformando o Brasil. Nenhum governo conseguiria se sustentar politicamente com nova onda de explosão inflacionária.