Desastre na administração

225

 

 O Estado de S. Paulo- 15/10/2012
 

 

Em mais um ano de enchentes, desliza­mentos, destruição e mortes em vários Estados, o governo brasileiro desembol­sou até 23 de agos­to apenas 26,4% da verba de R$ 3,5 bilhões destinada à Gestão de Risco e Resposta a Desastres, segundo informou no começo de setembro a organização Contas Abertas, especializada no acompanha­mento das finanças públicas. Os desembolsos ficam normalmente mui­to abaixo das dotações orçamentá­rias e sempre incluem, como neste ano, uma parcela de restos a pagar. Desastres naturais, tratados como eventos de menor importância pelo governo brasileiro, estão no progra­ma de trabalho do Banco Mundial (Bird) e motivaram uma reunião promovida em conjunto com o go­verno japonês em Sendai, uma das localidades mais afetadas no ano passado por um terremoto seguido de tsunami. Números e histórias apresentados num relatório do banco mostram o tamanho do proble­ma e a importância de políticas espe­ciais para enfrentá-lo.

Catástrofes naturais causaram per­das econômicas estimadas em US$ 3,5 trilhões nos últimos 30 anos, se­gundo o Bird. Os maiores prejuízos, de US$ 380 bilhões, ocorreram em 2011, quando enchentes custaram à Tailândia 5% de seu PIB e o Japão perdeu 4% em conseqüência do ter­remoto e do tsunami. Os danos cau­sados pelo terremoto de 2010 ao Hai­ti corresponderam a 120% da produ­ção do país.

Os custos econômicos poderiam justificar o esforço conjunto do ban­co e do governo japonês para colocar no topo da agenda internacional a prevenção e a administração de ris­cos de desastres. Mas há mais que is­so: 9% das catástrofes ocorreram des­de 1980 em países pobres, mas neles a proporção de mortes foi de 48%.

O relatório foi preparado para sub­sidiar as discussões em Sendai e os trabalhos do Comitê de Desenvolvi­mento do banco e do FMI. “Precisa­mos de uma cultura de prevenção”, disse o presidente do Bird, Jim Yong Kim, defendendo a prática de plane­jamento para reduzir os danos e as perdas de vidas em casos de desas­tres. O ministro das Finanças do Ja­pão, Koriki Jojima, participou do Diálogo de Sendai e falou sobre a ex­periência japonesa nessa área. É pre­ciso, segundo ele, pôr em primeiro plano a administração de riscos “em todos os aspectos dos processos de desenvolvimento”.

Isso é exatamente o oposto da prática normal do governo brasileiro e também dos governos estaduais e lo­cais. O material divulgado pela orga­nização Contas Abertas inclui um co­mentário do especialista em defesa civil Edmildo Moreno Sobral sobre os gestores municipais. Sua cultura, disse ele, é a de esperar ocorrer o desastre para decretar situação de emergência, dispensar licitações e re­ceber maior volume de recursos. É uma descrição até generosa. Repeti­das experiências de desastres naturais têm mostrado algo mais grave.

À deficiência de planejamento e prevenção soma-se a precariedade dos trabalhos de assistência e re­construção e até o descontrole no uso de recursos. É inevitável comparar a rapidez das obras pós-tsunami no Japão com a lentidão dos traba­lhos depois dos grandes deslizamen­tos na serra fluminense – para citar só um dentre muitos exemplos. A tu­do isso também se acrescenta o inde­fensável uso político das verbas, co­mo foi comprovado quando recur­sos federais destinados à prevenção de acidentes foram destinados qua­se todos a um único Estado que, além de ter sido um dos menos atin­gidos por desastres naturais em anos recentes, era a base política do ministro responsável pela adminis­tração daquelas verbas.

“Entre 1984 e 2006 o Bird aplicou cerca de US$ 26 bilhões em 528 proje­tos de prevenção e administração de desastres. Entre 2006 e 2011 destinou mais US$ 11,7 bilhões a 113 operações de prevenção e de planejamento e a 68 atividades de reconstrução. O im­pacto dos desastres deve continuar aumentando, segundo o relatório, por causa dò crescimento urbano de­sordenado e da má administração de recursos naturais. Como nem toda catástrofe é evitável, a capacidade de en­frentar os problemas e de recuperar as áreas atingidas é tão importante quanto a prevenção. Nas duas ativida­des o serviço público brasileiro é defi­ciente. O primeiro desastre, no Bra­sil, é o da própria administração.