Uma hipótese para o baixo investimento :: Cristiano Romero

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Autor(es): Cristiano Romero
Valor Econômico – 10/10/2012
 

 A taxa básica de juros (Selic) está no menor patamar da história, o real se desvalorizou mais que outras moedas nos últimos meses, o governo adotou uma série de estímulos à produção e ao consumo e, mesmo assim, a economia brasileira parece patinar. Cresceu 2,7% em 2011 e neste ano deve avançar apenas 1,6%, de acordo com projeção do Banco Central (BC).

Há sinais de que, em termos anualizados, o Produto Interno Bruto (PIB) pode ter crescido 4% no terceiro trimestre, mesma taxa esperada para 2013 pela maioria dos analistas de mercado. As dúvidas que já começam a brotar aqui e acolá dizem respeito a 2014. Há quem acredite em expansão medíocre no último ano do mandato da presidente Dilma Rousseff.

Há várias hipóteses sobre a perda de dinamismo da economia brasileira. Uma delas é a de que, entre 2004 e 2010, o Brasil se beneficiou do boom de commodities provocado pelo forte crescimento da economia chinesa. Desde então, a China tem moderado o crescimento e, consequentemente, o apetite por produtos primários.

Flexibilização do tripé pode ter abalado confiança

Outra tese difundida é a de que o modelo de crescimento baseado em expansão do crédito e do consumo está perto do esgotamento, uma vez que os consumidores se endividaram excessivamente no último ciclo econômico, perdendo a capacidade de tomar novas dívidas. Outra possibilidade levantada é a de que as incertezas criadas pela crise mundial abalaram a confiança dos empresários nacionais.

De fato, o comportamento da taxa de investimento, medida pela Formação Bruta de Capital Fixo (FCBF), indicador que reflete os gastos das empresas com máquinas, equipamentos e construção civil, é uma das principais explicações do baixo desempenho recente do PIB. Depois de crescer a dois dígitos entre o primeiro e o terceiro trimestres de 2010, a FBCF vem caindo sucessivamente.

No primeiro momento, o investimento pode ter moderado porque ficou claro para o setor privado, no segundo semestre de 2010, que o PIB estava crescendo muito acima (7,5%) das possibilidades do país e que o BC reagiria com um novo ciclo de aperto monetário, o que de fato ocorreu. Os juros subiram, o crédito recuou e o resultado foi a queda da atividade econômica, que deixou muitas empresas com estoques elevados.

O aperto monetário foi revertido a partir de agosto do ano passado. Hoje, a taxa de juro é a menor da história. De acordo com o Valor Data, a Selic real está em 1,9% ao ano. Se o juro caiu tanto, por que o investimento não se recuperou?

A hipótese de que a confiança empresarial foi afetada pela turbulência internacional explica uma parte do problema. No entanto, o risco de deterioração da crise europeia, rumo a um evento extremo como o fim do euro, já foi muito maior. Hoje, o que se sabe é que a Europa deve crescer muito pouco por um bom tempo.

Há uma possibilidade, porém, da qual pouco se fala: a confiança dos empresários na economia pode ter sido abalada pelas mudanças no tripé de política econômica que vigora no país desde 1999. Os pilares desse tripé são a geração de superávits primários suficientes para reduzir a dívida pública líquida, o regime de câmbio flutuante e o sistema de metas para inflação.

A observância dessas políticas derrubou inflação e juros, amorteceu choques externos (como ficou comprovado na crise de 2008), encolheu a dívida líquida como proporção do PIB, diminuiu a volatilidade do produto e criou condições para o Brasil acelerar o crescimento. O tripé deu previsibilidade.

Os números são convincentes. Depois da adoção do tripé, a inflação anual média caiu de 8,75% no período 1999-2002 para 5,77% entre 2003 e 2010. O juro nominal (a taxa Selic efetiva) recuou de 26,7% ao ano no período 1995-2002 para 14,72% ao ano entre 2003 e 2010. A Selic real média caiu de 15,95% para 8,43% ao ano. O PIB, por sua vez, saltou de um crescimento médio anual de 2,47% para 4%.

O que se observa é uma forte correlação entre investimento e o bom funcionamento do tripé. De julho de 1994, quando o real foi lançado, a junho deste ano, o Brasil viveu, grosso modo, cinco ciclos de investimento. O primeiro, entre o terceiro trimestre de 1994 e o segundo de 1995, foi impulsionado pelo Plano Real, que derrubou drasticamente a inflação.

O segundo ciclo ocorreu entre o terceiro trimestre de 1996 e o terceiro de 1997. Foi interrompido por uma sucessão de crises: asiática, russa e a do próprio Brasil, em setembro de 1998. O terceiro já ocorreu sob a égide do tripé de política econômica adotado em 1999. Foi abortado em 2001 pelo apagão de energia elétrica e o contágio da crise argentina. Em 2002, os investimentos tiveram forte recuo em meio à sucessão presidencial – os investidores viram na possibilidade de eleição de Lula um risco de ruptura que não se concretizou.

O quarto ciclo de investimento foi o mais longo. Começou no segundo trimestre de 2004 e só terminou no terceiro de 2008 – foram 18 trimestres no azul, com taxas de dois dígitos em dez. Nesse período, o PIB avançou a taxas expressivas – 5,71% em 2004, 3,16% em 2005, 3,96% em 2006, 6,09% em 2007 e 5,17% em 2008, uma média de 4,81%. O ciclo foi interrompido pela crise mundial. Terá sido coincidência o fato de esse período luminoso da economia brasileira ter se dado na fase de vigência plena do tripé de política econômica? Provavelmente, não.

O último ciclo de investimento foi igualmente forte. Veio depois da crise de 2009, mas foi breve, pelas razões mencionadas. Depois, a inflação mudou para uma patamar acima de 4,5% e o PIB caiu para outro, abaixo de 3%.

O governo flexibilizou o tripé, sob a justificativa de que a crise mundial recrudesceu, derrubando o crescimento da economia global e, ao mesmo tempo, criando uma oportunidade para o Brasil baixar juros de forma estrutural. Isso é um fato, mas pode estar aí a explicação para a resistência do empresário em abrir o bolso e investir, afinal, a previsibilidade – já prejudicada pelo ambiente externo – diminuiu.

O país pode estar numa fase de transição que, uma vez superada, dê aos empresários o horizonte necessário para investir. Não se deve subestimar, entretanto, o efeito que as mudanças recentes podem estar tendo sobre a confiança. O câmbio não flutua mais e a meta de inflação de 4,5% não é perseguida pelo BC, segundo suas próprias sinalizações. O cumprimento da meta fiscal também está em xeque. A política mudou.

Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras