O papel contemporâneo do Estado

280

Autor(es): Cláudio Frischtak

Valor Econômico – 25/01/2013

 

 

O maior desafio que o país enfrentará nos próximos anos será retomar o crescimento em bases sustentáveis, num quadro de contínua incerteza da economia mundial, fragilidade fiscal e lenta recuperação do crédito. Não será trivial mudar o rumo e o ritmo da economia brasileira. Nos últimos anos vimos perseguindo um padrão de crescimento calcado na mobilização crescente de recursos pelo Estado via taxação e endividamento, e sua injeção na economia (via transferências e outros gastos, inclusive financiamento maciço e subsidiado de empresas e projetos). Sua eficácia vem decaindo – se “extrai” cada vez menos crescimento para o mesmo volume de recursos.

É certo afirmar que houve ganhos consistentes e significativos na última década de redução da pobreza e desigualdade. Porém até que ponto esses resultados são predicados ou intrínsecos ao atual modelo econômico? Em outras palavras, uma agenda de reformas nos mercados de produtos e fatores que voltassem a impulsionar o crescimento levaria a resultados ao menos equivalentes no plano distributivo e de redução da pobreza? A resposta irá depender da natureza e qualidade das reformas. Estas requerem um direcionamento claro: da mesma forma que o país necessita de um Estado mais eficiente, a economia brasileira necessita se tornar mais produtiva e competitiva. Em última instância, são os ganhos de produtividade que irão sustentar a retomada do crescimento, e permitir a continuidade do processo de redução da pobreza e desigualdade.

As forças de competição são possivelmente o direcionador ou fator de impulsão mais eficiente da produtividade. A agenda de reformas deve ter por eixo introjetar mais competição – e competitividade – na economia brasileira. E isso só será possível com uma atuação pragmática do Estado, e calcado em alguns princípios essenciais.

São os ganhos de produtividade que vão permitir a continuidade do processo de redução da desigualdade

O que seria uma atuação inteligente e eficaz do Estado? Poucos podem discordar da necessidade de um Estado eficiente, com respeito aos contratos, estabilidade das regras, transparência das decisões; na essência é o que confere um clima de trabalho e negócios positivo. Inversamente, um Estado frágil, com baixa capacidade de estabelecer e fazer cumprir as leis, normas e regras, penetrado por interesses privados, e incapaz de prover os bens públicos básicos (segurança física e jurídica, moeda estável, saúde, educação e infraestrutura) é disfuncional na perspectiva do desenvolvimento e do interesse público.

No plano da política voltada à produção e à inserção da economia brasileira nos circuitos globais de comércio e investimento, intervenções transversais (ou horizontais), não discriminatórias, tendem a ser preferíveis às de natureza setorial, e estas a intervenções que miram empresas específicas, e fundamentalmente por duas razões de natureza distinta: primeiro, porque reduz a probabilidade de comportamento oportunista dos incumbentes, que tendem a se apropriar das rendas geradas pelas políticas setoriais; e segundo, pelos laços que se estabelecem entre agentes de Estado e aqueles que se beneficiam das políticas, que transforma benefícios transitórios em permanentes.

Ao Estado cabe agir para remover obstáculos ao funcionamento eficiente dos mercados, estimulando o trabalho, a poupança e o investimento, apoiando o empreendedorismo, removendo barreiras à entrada e expansão das empresas. Inversamente, o Estado não deve sancionar – e muito menos patrocinar – a busca e apropriação de sobrerrendas (“rent seeking”), a incrustação no seu interior de grupos de interesse privados, e a formação de uma burocracia que venha a se constituir numa “nomenklatura” sem compromisso com o interesse público.

Alguns princípios e práticas podem e devem se seguidos por formuladores de política para evitar cometer erros mais custosos, e elevar a probabilidade de êxito. Seguem alguns exemplos: 1) o ótimo é comumente inimigo do bom – intervenções contínuas ou ad hoc geram maiores incertezas, e reduzem previsibilidade e visibilidade dos parâmetros essenciais para tomadas de decisão – devem assim ser evitadas; 2) intervir somente quando as externalidades são significativas e as falhas de mercado que as geram dominam ou são claramente maiores que as falhas de Estado; deve-se ter em conta que estas são geralmente subestimadas; 3) dado que os recursos de Estado são limitados, é essencial avaliar não apenas os custos e benefícios de uma intervenção específica, mas como se compara com os ganhos líquidos de outras intervenções – com base na sua essencialidade e complexidade; 4) usar o teste da razoabilidade e se apoiar na experiência doméstica e internacional – ambos sugerem intervir com parcimônia, de forma planejada, consistente com os recursos disponíveis, e monitorar/avaliar ex-post o impacto da intervenção.

Os princípios enunciados acima sugerem um “caminho do meio”: uma atuação mais intensa do que simplesmente uma política “hands-off”; evitando o dirigismo ou ativismo disfuncional. As intervenções de menor custo e maior impacto são aquelas que resultam de uma revisão crítica das políticas que conformam o ambiente de trabalho e negócios, e que identificam as principais barreiras à competição e ao crescimento, os obstáculos à sua remoção, e estabelecem um programa de reformas que lance as bases de um padrão inclusivo e sustentado de crescimento.

Cláudio R. Frischtak presidente da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios e diretor no país do International Growth Center (London School of Economics e Oxford University). Foi o economista de indústria e energia do Banco Mundial e professor adjunto da Universidade de Georgetown.