Fazer ou não fazer mais cortes, o dilema do governo
O superávit primário do governo federal vem caindo e chegou a 2% do Produto Interno Bruto no ano passado, com o auxílio da “contabilidade criativa”. As metas fiscais balançaram ao sabor dos ventos, chegaram a ser por um curto período de tempo flutuantes e só diante das fortes turbulências criadas pela perspectiva de menor liquidez internacional é que se chegou ao número prometido de 2,3% do PIB. O governo agora se debate com o problema de ter de fazer mais cortes no Orçamento. Em 12 meses terminados em maio, foram economizados 1,6% do PIB. Para se chegar à meta, seria preciso um esforço extra em torno de R$ 32 bilhões, considerando-se o PIB de doze meses encerrados em maio de R$ 4,5 trilhões calculado pelo Banco Central.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, chegou a ventilar contingenciamento adicional de R$ 15 bilhões, mas a contenção de despesas pode não chegar lá. Há divergências sobre a conveniência de mais cortes, por motivos econômicos e, cada vez mais importantes, políticos. Com a popularidade em queda, a presidente Dilma Rousseff se apoia em uma base política cada vez mais instável e uma das rubricas orçamentárias costumeiramente vítimas de cortes são as emendas dos parlamentares. Além de o momento ser inadequado, o atual presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB), chegou ao cargo pregando o Orçamento impositivo, que paira ainda como uma ameaça ao Executivo. E o governo teme que novos cortes retirem mais um pouco do já baixo fôlego da economia.
O governo se meteu em uma enrascada sozinho na questão fiscal. Apelou para a “contabilidade criativa” em 2012 em vez de reconhecer que, diante de uma economia frágil, o superávit da União poderia ser menor. Ele foi baixo, mas suficiente para estabilizar a dívida líquida em 35% do PIB. Sua redução era plenamente defensável e não foi feita. Agora a promessa da meta de 2,3%, que não é um número ruim diante do estado da economia, poderá novamente não ser cumprida.
Um dos motivos para isso é que não há muitos gastos que possam ser cortados de imediato com efeito no ano calendário. De um lado, as receitas do Tesouro como proporção do PIB declinaram ligeiramente nos últimos três anos. Em 2013, essas receitas cresceram 5,1% nos cinco primeiros meses do ano em relação ao mesmo período de 2012. Houve ligeira queda real, o que não ocorreu com as despesas do Tesouro, que cresceram 11,8% (as despesas totais avançaram 12,8%). O esforço fiscal até maio foi de R$ 33 bilhões, 29,5% inferior na comparação ao de 2012.
De janeiro a maio, as despesas cresceram R$ 40,1 bilhões. Despesas com pessoal e encargos subiram R$ 6 bilhões, ou 0,4 ponto percentual em termos reais, e não foram o principal fator de pressão, papel desempenhado tanto pelas despesas da Previdência, que cresceram R$ 17,4 bilhões, quanto pelas despesas de custeio e capital, com aumento de 14,8% ou R$ 17 bilhões. Essa seria a parcela suscetível de cortes.
Os investimentos, infelizmente, pesaram pouco no aumento total das despesas – apenas R$ 2,4 bilhões. A parcela do PAC que pode ser abatida do superávit primário subiu de R$ 15,7 bilhões para R$ 18,2 bilhões. A rubrica outras despesas de custeio e capital foi responsável pelo acréscimo de R$ 14,3 bilhões. Excluindo-se despesas do PAC e créditos extraordinários (de R$ 2,2 bilhões) sobram os gastos discricionários de R$ 8,8 bilhões. A maior parte deles – R$ 7,7 bilhões -, porém, foi feita por três ministérios da área social, Saúde, Desenvolvimento Social e Educação, pela ordem. Depois que a “voz das ruas” foram ouvidas, não seria aconselhável mexer muito nessas despesas.
Sem reformas, as despesas da Previdência, que subiram com a política de franco aumento do salário mínimo, não podem ser cortadas. Os gastos com salários estão estabilizados há alguns anos em torno de 4,3% do PIB. O investimento é baixo e correspondeu a 1,4% do PIB em 2012 – a melhor performance em uma década.
O peso do aparelho de Estado, com seus 39 ministérios, tornou-se claro quando a arrecadação deixou de crescer a dois dígitos. Para obter alguma economia racional e preservar ao máximo os investimentos, o governo precisaria eliminar ministérios e reorganizá-los radicalmente. É difícil que isso ocorra. É mais provável que se corte o “vento”, despesas infladas, que todo Orçamento tem, ou se anule parte dos R$ 26 bilhões de restos a pagar que perambulam na contabilidade pública.