Downton Abbey e o sentido da moralidade
Depois de comentarmos a importância da Revolução Gloriosa inglesa para a construção de uma verdadeira cidadania numa sociedade, hoje vamos continuar um pouco mais na Inglaterra. Como dissemos, a Revolução Gloriosa limitou os poderes do monarca absoluto a partir da construção de uma instituição, o Parlamento, considerado o primeiro parlamento moderno do mundo, isso bem antes das revoluções Francesa e Americana! Não custa lembrar que a Revolução Francesa, justamente por não construir e solidificar o parlamento imediatamente à derrubada da monarquia absolutista, entrou na fase do Terror e acabou por ter que restaurar o Império.
Pois hoje, o foco é o entretenimento e como ele pode ser usado para a difusão de conceitos fundamentais para a formação de uma consciência cidadã. Estamos falando da série televisiva “Downton Abbey”, também transmitida no Brasil pela GNT e que teve a sua terceira temporada recém-lançada em DVD. A série conta a saga de uma família aristocrática inglesa desde o final do século XIX, passando pela Primeira Guerra Mundial, e seus esforços para sobreviver em um país bastante abalado pelo esforço de guerra.
Mas, ao contrário do que poderia parecer a princípio, o forte da série não é a luta por sobrevivência de uma classe social enfraquecida contra outra em ascensão. O que conta em Downton Abbey são as relações intra-classes e como os preconceitos, ambições e jogos de poder vistos nas classes abastadas podem se reproduzir nos andares mais baixos da pirâmide social. E algumas vezes com tintas ainda mais pesadas. Ou seja, os vícios não são privativos da aristocracia, nem as virtudes são cativas das classes emergentes, sejam média ou proletária. Vícios e virtude são humanos!
Num mundo que estava mudando com rapidez, assim como o nosso hoje, é interessante perceber como a série vai na contramão de um roteiro fácil e passa por cima do velho conceito de luta de classes para focar seus conflitos sob o ponto de vista da moralidade. Entendida como princípios de conduta social e política, para além das motivações da emoção – que é o grau mais primitivo da cidadania – e os princípios da razão.
Assim como acontece nos países onde a cidadania é mais evoluída, o que prevalece é a questão da moralidade pública, é o valor da honra enquanto respeito à palavra dada, ao que foi previamente acordado entre as partes. Este é a verdadeiro sentido da cidadania: a questão moral acima da questão legal e até mesmo social.
Personagens como o chefe da família Crawley, Lord Grantham, ou o mordomo Charles Carson nos mostram que existem, sim, muito mais coisas entre o céu e a terra da cidadania do que prega o esquematismo social da Revolução Francesa. Ou o esquerdismo infantil de classes exploradoras x exploradas!
Para quem ainda não ouviu falar de Downton Abbey, as credenciais da série só impressionantes, com diversos prêmios importantes no currículo como o Emmy e o Globo de Ouro, além de ter entrada no Livro Guinness dos Recordes de 2011 como o “programa de televisão em língua inglesa mais aclamado pela crítica” do ano. Na quarta temporada, pesos pesados do cinema estarão no elenco, como Shirley MacLaine e Paul Giamatti. Vale a pena conferir.