Projeções erradas levaram governo a manobras fiscais
Erros seguidos de projeções econômicas, com uso de parâmetros, em geral, otimistas, elevaram artificialmente as previsões de receita do orçamento federal e deram origem às manobras usadas pelo governo Dilma Rousseff para fechar suas contas, as chamadas “pedaladas fiscais”.
É o que aponta o relatório sobre as contas de 2014 que será votado nesta quarta-feira (17) pelo Tribunal de Contas da União, principal órgão externo de fiscalização dos gastos do governo federal.
De acordo com o trabalho do TCU, em quatro anos a diferença entre o que se projetou e o que de fato entrou no caixa foi de R$ 251 bilhões.
Editoria de Arte/Folhapress |
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O relator do processo no TCU, ministro Augusto Nardes, vem dando sinais de que pode recomendar ao Congresso que as contas de Dilma Rousseff sejam reprovadas, sob alegação de que o governo escondeu diversas dívidas, estimadas em R$ 256 bilhões.
Em 2012, por exemplo, o governo errou em R$ 67 bilhões a projeção de suas receitas. Só na arrecadação de impostos e contribuições, o resultado foi 12% menor que a previsão orçamentária.
Os erros foram ainda mais graves em 2014. O governo previu arrecadar R$ 1,3 trilhão no orçamento aprovado, mas conseguiu realizar R$ 1,2 trilhão –valor R$ 110 bilhões abaixo do previsto.
Se a decisão do TCU nesta quarta for desfavorável ao governo, o julgamento abrirá caminho para a rejeição das contas de Dilma no Congresso, um processo que pode levar anos, e oferecerá novos argumentos para os líderes da oposição que defendem o impeachment da presidente.
Além disso, o retrato apresentado pelo tribunal pode prejudicar a imagem externa do Brasil, aumentando a desconfiança que os investidores e as agências internacionais de classificação de risco têm dos números federais.
Segundo o relatório do tribunal, os erros nas projeções oficiais trouxeram vários prejuízos à economia brasileira e colaboraram para que vários setores, como transporte, saúde e mobilidade, fossem mal avaliados pelos contribuintes. “A governança pública é o grande desafio do Brasil, ao seu desenvolvimento econômico e social e à sua competitividade”, afirma Nardes em seu relatório.
Todo ano, o governo federal envia ao Congresso um projeto de lei no qual apresenta estimativa para crescimento do PIB, alta da inflação, custo do dólar etc. A partir desses dados, o próprio governo projeta quanto poderá gastar. O Congresso aprova ou não essas estimativas.
Quando o governo faz uma previsão muito otimista para o crescimento da economia, sua meta de arrecadação de impostos também cresce, mas de forma artificial. Mas quando essa expectativa é frustrada, é preciso cortar gastos ou camuflar despesas, o que foi apontado pelo TCU.
MAQUIAGENS
No caso do crescimento do país, por exemplo, a diferença média entre o que o mercado projetou e o que ocorreu na realidade foi de 1,5 ponto percentual ao ano no período. Já a diferença das projeções do governo chegaram a 3 pontos ao ano para cima.
“Ao longo dos quatro exercícios [2011-2014], 85 fontes de recursos apresentaram diferença entre o valor projetado e o valor realizado superior a R$ 1 bilhão”, diz o relatório, obtido pela Folha.
Com a estimativa de crescimento maior, o governo projetava a entrada de mais dinheiro em caixa, o que nunca ocorreu. Para fechar a conta, a equipe da presidente Dilma Rousseff precisou recorrer a maquiagens contábeis.
Uma dessas manobras foi segurar o repasse a bancos públicos de R$ 40 bilhões que deveriam ter sido depositados para pagar benefícios sociais. Para o TCU, na prática foi como se os bancos emprestassem o dinheiro para o Tesouro –o que é proibido por lei–, porque os benefícios foram pagos mesmo assim.
Em 2014, a frustração de receita acumulada por causa dos resultados dos anos anteriores já era tão grande que nem mesmo os cortes no Orçamento foram suficientes para equilibrar a conta.
O governo nega que tenha recorrido a maquiagens contábeis e argumenta que havia previsão nos contratos com os bancos públicos para que eles pagassem os benefícios mesmo sem receber o dinheiro do Tesouro, o que não permitiria caracterizar as “pedaladas” como empréstimos. Além disso, o governo argumenta que a prática ocorreu em governos anteriores.