É mito! Orçamento público não é igual ao doméstico

656

Em 2016, para explicar o Teto de Gastos que viria a ser aprovado, o então presidente Michel Temer defendeu o ajuste das contas públicas citando uma fala da ex-primeira-ministra britânica Margareth Thatcher: “O Estado é como uma casa, sua casa, a casa da sua família, você não pode gastar mais do que aquilo que arrecada”. Mas a comparação do orçamento público com o doméstico está equivocada.

Se uma família gasta mais do que recebe e acumula dívidas, ela terá que, eventualmente, apertar o cinto nas contas da casa para pagar o que deve aos seus credores. Mas o mesmo não vale para o governo.

O economista Marcio Gimene, que é presidente da Assecor (Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento), explica porque essa comparação não pode ser feita.

“Quando falamos de governos monetariamente soberanos, ou seja, aqueles que emitem sua própria moeda, a exemplo do governo brasileiro, se ele gastar menos do que arrecada, o que ele está fazendo é basicamente deixar sua sociedade mais pobre. Ele está retirando mais recursos das famílias e das empresas do que está oferecendo a essas mesmas famílias e empresas na forma dos seus serviços públicos. Então, essa equivalência entre as duas lógicas não faz sentido”, diz.

O vídeo a seguir mostra porque o orçamento público é diferente do orçamento doméstico:

O dinheiro que gastamos não volta pra nós

Basicamente, a comparação é uma falsa simetria porque nós, cidadãos e cidadãs, ao contrário do governo, não podemos emitir moeda para pagar nossas dívidas, nem mesmo emitir notas provisórias para passar aos nossos vizinhos, por exemplo, e pagar, posteriormente, com juros. E, quando gastamos nosso dinheiro, ele vai embora, não o vemos mais.

Vale ressaltar que nem a família gasta apenas o que arrecada, já que tem acesso a crédito, ao cheque especial, e pode se endividar para adquirir itens caros, como uma casa ou um carro.

O dinheiro gasto pelo Estado volta em forma de tributos

Quando o Estado gera uma despesa pública, muitas vezes também gera uma receita para ele. Se o Estado diminui os investimentos, também diminui a quantidade de dinheiro que circula na economia e isso acarreta na diminuição da arrecadação de tributos. Todo dinheiro gasto do orçamento público chega nas mãos de alguém e, então, vira consumo. Isso faz a economia girar.

Investir em saúde e educação, por exemplo, gera retorno em termos de arrecadação de tributos que vão reforçar o caixa do governo a longo prazo. Posto isso, é possível enxergar o dano causado pela aprovação do Teto de Gastos e agora pela PEC Emergencial.

Gimene explica que, mesmo com uma eventual melhora da economia brasileira, continuaremos engessados em termos de investimentos por causa do limite do teto de gastos.

“No Brasil, com as regras atuais, falando da União, mesmo que a gente aumente a arrecadação, não vamos poder aumentar os gastos, porque a emenda constitucional 95/2016 estabeleceu uma regra de teto de gastos primários da União que independe da arrecadação. Então, se a economia voltar a crescer, se melhorar a eficiência do sistema tributário ou mesmo se aumentar a alíquota de alguns tributos, nada disso vai permitir mais espaço para o gasto público, pelo menos enquanto essa regra do Teto de Gastos estiver vigente”, diz.

Brasil deve avançar na reforma da arrecadação tributária

Para ele, o Brasil tem muito o que avançar em relação à ampliação da arrecadação tributária, sobretudo sobre patrimônio e renda, já que o nosso sistema tributário hoje é concentrado principalmente no consumo.

“Isso encarece tanto o custo de vida das pessoas, das empresas, como o custo de produzir algo novo, perdendo competitividade em relação a similares estrangeiros, e por sua vez, em relação ao patrimônio e à renda, já que a gente tributa proporcionalmente muito menos do que os países mais avançados. Sendo assim, boa parte dos nossos problemas de desigualdade são decorrência da origem da própria estrutura tributária. E, por meio dos gastos públicos, a gente acaba muitas vezes enxugando gelo tentando amenizar um problema que, na origem, está relacionado à própria arrecadação”.

A conclusão a que chegamos é que não faz sentido comparar o orçamento público com o doméstico. Quando falamos de orçamento público, a ampliação de investimentos do governo em políticas públicas resulta em um ciclo virtuoso para toda a sociedade, em termos de arrecadação de impostos, de dinamismo econômico e de oportunidades de inclusão. Ganha a sociedade. Ganha a iniciativa privada. Ganha o governo. Em sentido contrário, os cortes consecutivos de gastos penalizam diretamente a prestação de serviços públicos à população.

Reprodução: https://queestadoqueremos.org/