Analista de Planejamento e Orçamento e Economista publicam artigo sobre a necessidade do combate à desigualdade no Fundeb

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O artigo “É preciso combater a desigualdade no Fundeb – Municípios que não precisariam de complementação recebem recursos”, de autoria do analista de planejamento e orçamento, Henrique Chaves, e do economista, Carlos Henrique Rosa, ambos do Ministério da Economia, foi publicado no O GLOBO e tem como objetivo questionar e discutir sobre a distribuição desigual de recursos entre 16 municípios “ricos” favorecidos em detrimento de 300 municípios “pobres”.

Prevista para ser votada na próxima semana na Câmara dos Deputados, a proposta (PEC 15/15), que prevê a criação do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), irá definir o futuro da educação no Brasil.

Em trecho do artigo, os autores citam as grandes controvérsias sobre diversos aspectos do novo modelo proposto na PEC 15/15. Segundo eles, deve-se considerar a necessidade de melhor distribuir os recursos que a União hoje aloca. No decorrer do artigo, esse ponto é evidenciado e esclarecido.

Leia o artigo completo:

É preciso combater a desigualdade no Fundeb

Municípios que não precisariam de complementação recebem recursos

Henrique Chaves F. Carvalho e Carlos Henrique Rosa

O primeiro passo para avaliar se uma política pública está funcionando bem é identificar seu objetivo, sua razão de ser. Ao comparar os resultados verificados na prática com o objetivo esperado, é possível diagnosticar se a política está funcionando bem ou se precisa de ajustes. Esse exercício vem sendo feito na renovação do Fundeb, com o Congresso sinalizando avanços importantes no debate. Mas há um ponto em que se insiste no erro, que é o principal defeito do atual modelo.

O objetivo geral do atual Fundeb é a garantia de um gasto mínimo por aluno para melhorar a qualidade da educação básica. A premissa por trás é a de que as oportunidades educacionais não podem depender somente das receitas governamentais do local onde as crianças e jovens moram.

Dessa forma, o atual Fundeb é, por essência, um grande mecanismo de financiamento em prol da distribuição mais igualitária das receitas tributárias vinculadas à educação básica: o dinheiro vai para onde está a matrícula. É o principal elemento do pacto federativo na área educacional, envolvendo todos os entes da Federação e 63% do gasto vinculado à área.

Como o Fundeb vence em janeiro de 2021, inúmeros estudos foram feitos nos últimos anos para avaliá-lo e propor um novo modelo. Apesar de grandes controvérsias sobre diversos pontos, há um aspecto sobre o qual todos os pesquisadores concordaram: a necessidade de melhor distribuir os recursos que a União hoje aloca. Veja por quê.

O Fundeb, na verdade, não é um único fundo. Há um para cada estado. É no território estadual que acontece a distribuição das receitas estaduais e municipais para equalizar gastos. Como há desigualdade entre as regiões, o gasto por aluno em estados pobres fica muito distante do de estados ricos. Aí surge o papel da União, complementando financeiramente os governos estaduais e os municípios dos estados mais pobres do país para garantir um maior gasto mínimo por aluno no país. Mas há um defeito grave quando o faz.

Os recursos federais vão para todos os municípios dos estados pobres, incluindo aqueles que não precisariam de complementação, ao mesmo tempo em que municípios pobres de estados ricos ficam desassistidos. Isso se deve ao critério de distribuição, que olha apenas a média de receitas em cada estado, não analisando cada município isoladamente. Com isso, cerca de R$ 5,1 bilhões do aporte federal de 2020 serão destinados a quem não precisaria da ajuda; é um terço do total federal.

Para corrigir a distorção, bastaria distribuir toda a complementação federal com base na necessidade de cada município e estado, analisando dados sobre suas receitas. Com uma transferência “customizada” (ente a ente), amplia-se o potencial redistributivo da participação federal, ou seja, o valor mínimo nacional por aluno será maior para qualquer nível de complementação dado. A eficiência dessa simples mudança se revela nos números.

Com a mudança da forma de distribuição aplicada à totalidade da complementação federal e um aumento de 50% desta (proposta do Governo), é possível elevar o gasto mínimo por aluno do país em 43% — praticamente o mesmo valor alcançado com um aumento de 75% do aporte federal sem mudança alguma na repartição da parcela federal hoje transferida (proposta da PEC 15/15). Assim, a principal PEC que tramita no Congresso propõe gastar R$ 4,1 bilhões a mais por ano para alcançar o mesmo resultado, simplesmente porque opta por conservar regra geradora de distorções já mapeadas.

Ora, por que a PEC 15/15 insiste então num critério reconhecidamente defeituoso e ineficaz? Certamente porque é difícil mudar o status quo resistindo à pressão dos municípios ricos que deixariam de receber. São apenas 16 municípios “ricos” atuando contra o benefício de mais de 300 municípios “pobres” e contra a eficácia do Fundeb e o cumprimento da função constitucional da União em matéria educacional.

É preciso diálogo e boa política para mostrar que não haverá prejuízo aos alunos desses 16 municípios “perdedores”. É falacioso esse argumento. São cidades que possuem muito mais receitas de fontes não vinculadas à educação, e uma transição gradual é capaz de anular os efeitos da mudança.

Por estar na Constituição, o Fundeb não é uma política fácil de se alterar, e menos ainda o será se for tornada permanente. Por isso, se é verdade que a desigualdade é um problema crônico e perene do Brasil, não pode ser verdade que jogaremos fora mais uma oportunidade de enfrentá-la. Perenizar esse erro, além de ceder aos interesses dos municípios mais poderosos, é ir de encontro ao próprio objetivo do Fundeb.

Henrique Chaves F. Carvalho é analista de planejamento e orçamento no Ministério da Economia; Carlos Henrique Rosa é economista no Ministério da Economia.

Reprodução: O GLOBO