Um conselho fiscal para o Brasil

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A opacidade das contas públicas brasileiras, a dificuldade de interpretar o superávit primário e a dívida líquida desde que o governo adotou como praxe a contabilidade criativa para alcançar as suas metas anuais têm provocado danos consideráveis à credibilidade do País com os investidores, para não falar da mídia internacional. A recente iniciativa aventada pela presidente Dilma de retirar os custos dos programas de mobilidade urbana das metas fiscais é mais uma modalidade do esporte preferido dos nossos governantes, dizimando, por tabela, a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas esse não é mais um artigo sobre o mar de lamentações fiscais que afogou o País.

 Recentemente, o FMI divulgou uma análise muito interessante sobre a experiência de diversos países com a adoção de conselhos fiscais independentes e apartidários. O que é isso?

 Os conselhos fiscais são agências públicas independentes e apartidárias, com um mandato sacramentado pela legislação. Eles não executam a política fiscal. O que fazem é avalizar o arcabouço e as implicações para o futuro das políticas implantadas pelo governo. Preparam projeções fiscais e analisam a sustentabilidade da dívida. Seu objetivo é multifacetado: visam a aumentar a transparência das contas públicas, desencorajar mudanças oportunistas, como elevados gastos pré-eleitorais, e a contribuir para o entendimento da sociedade sobre o modo como os recursos públicos são alocados, eliminando a “ilusão fiscal” funesta que a contabilidade criativa pretende incentivar, isto é, buscam evitar que os governos se valham de artimanhas para contornar metas preestabelecidas. O conselho não é um auditor, a natureza do trabalho é macroeconômica.

 Os EUA têm o seu desde 1974, o Congressional Budget Office (CBO), que teve um protagonismo extremamente importante na resolução do impasse entre Republicanos e Democratas na altura da desastrosa discussão sobre a elevação do teto da dívida em meados de 2011. Foi em parte por causa das projeções alarmantes sobre a evolução da dívida pública americana apresentada para a sociedade e as pressões que elas ensejaram que o embate se transformou no atual ajuste fiscal dos EUA. Os cortes automáticos de gastos iniciados em março, o sequestration, estão longe de ser a solução ideal para os problemas das contas públicas do país. Mas, não fosse a presença desse watchdog poderoso, talvez a ladainha tivesse continuado, adensando a incerteza e prejudicando a recuperação da atividade.

 Os conselhos fiscais podem operar de várias formas. O CBO, nos EUA, é uma parte da comissão orçamentária do Congresso. O conselho da Alemanha, criado em 1963, é uma agência separada das demais instituições públicas. O conselho do Japão, o mais antigo, de 1950, é parte do Poder Executivo. Já o do México, criado em 1999, o do Chile, montado este ano, e o da Coreia do Sul, estabelecido em 2003, fazem parte do Congresso, como o CBO. O da África do Sul, que passará a existir em 2014, também funcionará assim.

 A análise do FMI mostra que países que têm conselhos fiscais independentes, que monitoram o cumprimento das metas, produzem projeções e têm uma forte participação no debate econômico por intermédio da mídia, tendem a gerar um melhor desempenho fiscal do que aqueles que não têm conselhos, ou que os têm, mas não com essas características. A situação é ainda melhor quando o país não só tem um conselho bem estruturado, mas também tem regras fiscais claras, articuladas por meio do estabelecimento de metas para o superávit primário e de tetos para a dívida pública.

 A corrosão da credibilidade fiscal provocada pelas iniciativas mal concebidas do governo brasileiro nos últimos anos transformou as contas públicas na Maldita Geni, aquela que é feita para apanhar e boa de cuspir. Como transformá-la na Bendita Geni, como recuperar a imagem do País? Um conselho bem formado e comandado talvez possa nos salvar, quiçá nos redimir. Vai com ele, vai Geni!

 

 

 * MONICA BAUMGARTEN DE BOLLE É ECONOMISTA, PROFESSORA DA PUC-RIO E DIRETORA DO IEPE/CASA DAS GARÇAS.