Debatedores elogiam projeto que muda elaboração do Orçamento

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A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) debateu nesta quarta-feira (23), em audiência pública, o PLS 229/2009, que reestrutura o processo atual de elaboração das leis orçamentárias. Os convidados elogiaram a proposta, que, segundo entendem, dará mais previsibilidade e eficiência ao Orçamento da União.

— Esse projeto vai acabar com o velho bordão de que o Orçamento no Brasil é uma peça de ficção ù resumiu o consultor legislativo do Senado Marcos Mendes.

O projeto é de autoria do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e tem relatório do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), na forma de um substitutivo. Ele pretende substituir a Lei de Finanças Públicas, de 1964, que rege até hoje a elaboração orçamentária de todos os entes da federação. Essa lei teve sua última atualização em 1982.

— Nunca esteve tão presente na sociedade brasileira a necessidade de darmos um choque de gestão, não apenas no Orçamento, mas nos controles orçamentários e financeiros. É uma mudança de cultura e de modus operandi que exige engajamento — observou Ferraço.

Tasso, autor da iniciativa original, também entende que a situação atual do país dá fôlego à proposta, mas ressaltou que ela não existe motivada unicamente pelo governo de turno.

— Estamos vivendo este ano um caso típico de orçamento fictício, com uma receita que absolutamente não existirá. São recorrentes os problemas que temos tido. Não há nenhum caráter partidário, político ou ideológico. É uma contribuição que queremos dar ao país.

Projetos

O consultor orçamentário Hélio Tollini, da Câmara dos Deputados, participou da elaboração do projeto e apresentou-o na audiência. Ele explicou que as medidas elencadas no texto são frutos de experiências bem sucedidas de outros países que o Brasil sempre ignorou.

— Aqui no Brasil ficamos muito ensimesmados. Nosso processo acaba sendo um pouco autóctone, queremos fazer as coisas do nosso jeito sem olhar as boas práticas do resto do mundo — comentou.

Ele enumerou os problemas identificados no atual processo de elaboração do Orçamento que o texto almeja corrigir: desarticulação entre planejamento e execução, sub ou superestimação de receitas e despesas, falta de visão de longo prazo, gestão “na boca do caixa” (despesas são feitas à medida em que aparecem, sem um ordenamento), acúmulo indiscriminado de restos a pagar e falta de avaliação de projetos que receberão investimentos.

Em relação ao último ponto, o projeto sugere a criação do Sistema Nacional de Investimento Público, um arcabouço de normas de formulação, seleção, execução e avaliação de projetos. A ideia é que os órgãos executores de políticas públicas encaminhem seus projetos para um organismo central (como o Ministério do Planejamento), que incluiria os mais bem formulados em um banco de dados, a ser usado pelo governo como orientador da alocação de verbas.

Para o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Tarcísio Massote de Godoy, essa ideia pode ajudar a solucionar um dos maiores desafios do setor público, que é a capacidade de avaliar.

— Você não consegue avaliar aquilo que você não mede. Temos que ter indicadores para poder avaliar a eficiência e consertar a rota de programas importantes. Assim, você pode preservá-los.

Questão fiscal

O projeto busca estimular a visão orçamentária de longo prazo ao reformular o Anexo de Metas Fiscais, parte integrante das Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A legislação atual só exige desses documentos um horizonte de dois anos. O novo texto amplia para quatro anos e determina o detalhamento progressivo do espaço fiscal do Orçamento, com cálculo cumulativo dos custos de projetos – tanto em curso quanto futuros.

A questão fiscal é grande preocupação do secretário-executivo do Ministério do Planejamento, Dyogo de Oliveira. Ele explicou que apenas 9,5% das receitas previstas para 2016 podem ser livremente movimentadas pelo Executivo.

— O Orçamento é bastante engessado. Não tem muito espaço para gestão fiscal. Hoje, o governo federal tem uma capacidade muito limitada de gerenciar o seu próprio Orçamento, uma vez que mais de 90% das despesas está pré-determinada. O caminho a ser seguido é trazer mais capacidade de gestão do Orçamento ù alertou.

Marcos Mendes, consultor do Senado, observou que o objetivo do projeto é ajudar a contornar essa realidade, mas ele não pode ser visto como saída definitiva para o problema.

— O modelo fiscal está falido, mas não é com esse projeto que vamos resolver isso. O que vai resolver o problema da rigidez da despesa são reformas profundas da Previdência, do selário mínimo e dos gastos obrigatórios.

Receita

Hélio Tollini e Marcos Mendes criticaram a atual fórmula de estimativa de receita no Orçamento, em que o quantitativo enviado pelo Executivo sofre modificações (geralmente para cima) durante a tramitação do projeto da Lei Orçamentária Anual (LOA) no Congresso.

— A estimação da receita, que é o principal parâmetro do Orçamento, é uma brincadeira. Já vem superestimada e o Congresso superestima mais, e isso tem sido conveniente para os dois lados —disse Mendes.

Conforme explicou, o Congresso eleva a estimativa para incluir as emendas parlamentares, e o Executivo aceita para poder fazer um contingenciamento discricionário. Isso descaracteriza a natureza do processo legislativo orçamentário, uma vez que o Executivo passa a escolher o que quer financiar, ignorando as previsões feitas nas leis orçamentárias.

A proposta do PLS 229 é que a estimativa de receita seja feita na LDO, que é anterior à LOA e condiciona a sua formulação. Desse modo, o Congresso ficaria obrigado a confirmar, na LOA, a receita prevista na LDO, excluindo a possibilidade de superestimação. O Executivo, consequentemente, não teria como praticar o contingenciamento de despesas de forma tão expansiva.

Fernando Moutinho, consultor orçamentário do Senado, afirmou que o contingenciamento excessivo e indiscriminado prejudica a estabilidade fiscal e econômica do país.

— É necessária a vedação clara ao uso do contingenciamento como o que ele é hoje: um instrumento de contenção unilateral da despesa. É preciso retirar do ordenamento jurídico a possibilidade de uma alteração discricionária por parte do Executivo, que gera imprevisibilidade e mais desconfiança em termos de resultado fiscal.

Outras mudanças

O projeto em discussão também torna mais rígidas as regras para inscrição de restos a pagar. Para Hélio Tollini, as atuais normas são “frouxas” e criam um “orçamento paralelelo”, que é arrastado para os exercícios financeiros seguintes. Os restos a pagar são despesas empenhadas mas não pagas pelo Executivo dentro do mesmo ano.

Outra proposta é o envolvimento maior das comissões do Congresso na apreciação das peças orçamentárias. Elas analisariam suas áreas temáticas do Orçamento, o que permitiria que a tramitação não ficasse concentrada apenas na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO).

A proposição também mexe com datas: ela antecipa em alguns meses o encaminhamento do Plano Plurianual (PPA), lei quadrienal que orienta tanto a LOA quanto a LDO. Atualmente, o PPA vem para o Congresso no final de agosto, perto da data de envio da LOA. A ideia seria antecipá-lo para o final de abril, quando sai do forno a LDO. Isso preservaria a hierarquia dos ciclos orçamentários.

Também passa por modificação o calendário da elaboração orçamentária de estados e municípios. Eles passam a ganhar prazo maior, só devendo enviar seus projetos aso respectivos Legislativos depois que o Executivo federal já tiver feito isso. A intenção é dar a esses entes da federação a certeza da receita que terão a partir das transferências dos cofres da União.

Comissão

Após a audiência, o presidente da CAE, senador Delcídio do Amaral (PT-MS), anunciou os próximos passos da comissão. Em relação ao PLS 229, ele marcou para o início de novembro a apreciação do substitutivo de Ricardo Ferraço.

O colegiado tem mais duas audiências públicas já agendadas. Na próxima terça-feira (29), os senadores debaterão com proponentes da chamada Lei Emergencial de Controle Orçamentário, um anteprojeto que visa reformar as despesas obrigatórias do ordenamento jurídico brasileiro. Já no dia 7 de outubro, uma quarta-feira, a CAE receberá representantes dos governos estaduais para ouvir sobre a crise econômica nos estados.

Delcídio anunciou também que uma audiência pública sobre o projeto da ferrovia transcontinental foi adiada. Ainda não há nova data prevista.