O esforço para abrir as contas do orçamento público

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No final deste mês, quando o governo federal encaminhar ao Congresso Nacional o projeto de lei de diretrizes orçamentárias para 2016, poucos saberão exatamente do que trata o calhamaço que aborda o destino da arrecadação tributária do país. Nem mesmo a principal entidade da sociedade civil que acompanha os gastos públicos – a Contas Abertas – encontra facilidade para destrinchar os dados orçamentários e critica a falta de transparência dos programas oficiais. Do lado do governo, uma série de iniciativas tenta ampliar a participação e o controle social sobre o orçamento público. 

Perto de comemorar os dez anos da associação Contas Abertas, o que acontecerá em dezembro próximo, o secretário-geral da entidade, Gil Castello Branco, aponta uma regressão no grau de transparência do orçamento nos últimos anos. A redução do número de programas que são detalhados na peça orçamentária contribuiu, segundo ele, para dificultar o acompanhamento da aplicação dos recursos. E a prática de se adotar nomes fantasia para os programas públicos de maior visibilidade tornou ainda mais complexo o processo de identificação das diversas contas do orçamento. 

O programa Mais Médicos não aparece como tal em nenhuma rubrica do orçamento da União e o mesmo acontece com o programa Minha Casa, Minha Vida – para citar duas das principais vitrines do governo da presidente Dilma Rousseff. Para detectar a trajetória dos recursos públicos que desemboca nesses dois programas é preciso vasculhar as contas específicas dos ministérios envolvidos nessas ações. A distribuição dos recursos para as políticas públicas voltadas para as mulheres também são rastreadas com lupa pelas entidades que atuam na defesa dos direitos femininos. 

As críticas de Castello Branco são ainda mais abrangentes. O último Plano Plurianual (PPA) relativo ao período de 2012 a 2015, assim como os anteriores, não tem cumprido a função balizar o debate sobre as políticas públicas e fornecer uma visão de médio prazo sobre os objetivos do Estado brasileiro. O secretário-geral da Contas Abertas aposta que ninguém se lembra mais do que está dito nesse documento, que foi formulado para abranger mais de um mandato presidencial justamente para não se ater a questões apenas conjunturais ou circunstanciais. 

O sintoma mais agudo dos problemas que cercam a formulação e execução do orçamento público no Brasil pode ser localizado nos cortes volumosos dos recursos previstos para este ano. A primeira redução atingiu R$ 69,9 bilhões e a segunda, mais R$ 8,7 bilhões, sempre com o objetivo de perseguir metas de superávit primário que possam recolocar as contas públicas brasileiras sob controle. “Se é preciso cortar quase R$ 80 bilhões do orçamento, estamos diante da falência da programação orçamentária no Brasil”, argumenta Castello Branco. 

Iniciativas do govern
A secretária de Orçamento Federal, Esther Dweck, valoriza as críticas de entidades como a Contas Abertas, por entender que é preciso dialogar com a sociedade para tornar o orçamento público mais claro e acessível a um maior número de pessoas. Mas tem seus próprios argumentos para contrapor essas observações e defender as iniciativas que têm sido adotadas para abrir as portas das contas públicas aos cidadãos. No Ministério do Planejamento, que abriga a Secretaria de Orçamento, conhecida pela sigla SOF, é possível encontrar o fio da meada do antigo conceito de orçamento participativo, que remonta aos primeiros governos estaduais e municipais do Partido dos Trabalhadores (PT). 

A dificuldade, no caso do orçamento da União, é transpor a distância que separa as pessoas comuns das ações típicas do governo federal, que se traduzem por políticas públicas mais amplas do que aquelas encontrados no âmbito local, em que se pode discutir os recursos que vão para o bairro ou para a rua em que se mora. Mas é possível, na dimensão nacional, acompanhar, por exemplo, a discussão sobre a destinação de mais ou menos recursos para a área social ou de infraestrutura. “Obviamente, o recurso é finito”, lembra Esther Dweck. 

De fato, como reconhece a secretária, foi feito um agrupamento de ações para facilitar a execução do orçamento. De um total aproximado de 4 mil ações orçamentárias resultaram cerca de 2.500, ao final do processo. Isso permite que os ministérios possam fazer a realocação de recursos dentro de uma mesma e ampla ação orçamentária, dotada de recursos que se distribuem em programas específicos e de menor valor.  O exemplo fornecido pela secretária é a concessão de bolsas de estudos, que podem ser destinadas à área de pós-graduação ou graduação. Nesse caso, o gestor tem a liberdade de transferir recursos de um segmento para outro, na medida da necessidade, mas sem mudar a natureza da despesa. 

Em compensação, para não perder as informações que ficariam mais visíveis na antiga sistemática, foram criados a nível gerencial os planos orçamentários, em que podem ser encontrados todos os dados distribuídos em cada ação prevista no orçamento público. As dificuldades criadas pelos programas com nomes fantasia, e que o governo federal é pródigo em adotar para potencializar seu impacto junto à opinião pública, pode ser contornada pela existência de marcadores, como argumentou a secretária. O que facilita a busca dos números por intermédio das ferramentas disponíveis nas plataformas da SOF. 

Nesse sentido, a secretaria tem atuado em várias frentes para tornar esse acesso o mais amigável possível para os interessados. Ao encaminhar o projeto de lei orçamentária ao Congresso, é divulgado pelo Ministério do Planejamento o chamado Orçamento Cidadão, que trata dos grandes números do documento. E que contem explicações sobre a parte macrofiscal, além de uma abordagem por função programática e alguns programas específicos.  

Outra linha de ação é a Escola Virtual da SOF, que oferece cursos online e gratuitos sobre orçamento. Neste ano, serão ofertadas 32 mil vagas, em oito diferentes datas. Ainda restam oportunidades de inscrição, neste ano, nos meses de setembro, outubro e novembro, no endereço https://ead.orcamentofederal.gov.br/. Esses cursos básicos a distância se propõem a ensinar as referências principais do orçamento para que as pessoas consigam entendê-lo. Aqueles que quiserem aprofundar seus conhecimentos podem ter acesso a cursos mais avançados, com tutorial – nesse caso, as vagas oferecidas por ano são limitadas a 3 mil. 

Outro recurso oferecido pela SOF são cartilhas em formato de histórias em quadrinhos para explicar de forma didática os conceitos e o ritual orçamentário. Todo esse arsenal compõe o universo da educação orçamentária e fiscal, algo ainda distante para a maior parte da sociedade. Mas, assim como foi possível perceber o avanço dos cursos da área de educação financeira, inclusive nas escolas para crianças, é factível que ocorram avanços também em relação aos temas mais complexos da área fiscal. 

Com relação ao acesso público aos dados do orçamento, o foco está no Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP), que permite busca por palavra-chave para facilitar a agregação de dados sobre determinados temas ou programas. Para os profissionais da área acadêmica e outros nichos especializados, os dados do orçamento são disponibilizados de forma aberta e compatível com diversas linguagens tecnológicas. 

Como novas ações nessa área, a secretária cita o “esforço enorme” que tem sido feito para desenvolver a versão digital do Orçamento Cidadão, que viabilizará a navegação em hiperlinks, integrando as informações sobre os diversos itens e programas do orçamento. Por fim, o Painel do Orçamento permitirá que se monte consultas customizadas, com a geração de gráficos e outras opções de visualização. 

Qualidade do gasto 
As ferramentas que já existem não têm garantido, no entanto, uma discussão mais ampla sobre a qualidade do gasto público, algo que a área econômica do governo defende como fundamental para se buscar maior racionalidade e eficiência no uso dos recursos dos contribuintes. Como argumenta Esther Dweck, o fato de se assegurar que recursos orçamentários equivalentes a um percentual do Produto Interno Bruto (PIB) sejam destinados a determinadas áreas não significa que o dinheiro está sendo bem gasto ou que o setor contemplado seja efetivamente beneficiado. 

Para que se avance nesse contexto, será preciso definir parâmetros que norteiem a avaliação sobre como se deu o gasto dos recursos públicos. De acordo com a secretária de Orçamento e Finanças, existem ministérios que estão mais avançados nesse aspecto, como é o caso do Ministério do Desenvolvimento Social, em que se destacam os indicadores montados para a avaliação do programa Bolsa Família. A quantidade de relatórios que podem ser gerados a partir da base de dados sobre o programa é impressionante e não encontra muitos exemplos semelhantes no governo. 

Numa perspectiva histórica, as reivindicações sociais e políticas no país têm sido dirigidas à adoção de regras obrigatórias para parcelas do gasto público, colocando “travas”, conforme a expressão da secretária, em diversas áreas contempladas pelo orçamento da União. O resultado desse processo é o comprometimento de cerca de 90% dos recursos orçamentários com os chamados gastos obrigatórios, que não podem ser alterados pelos gestores públicos e que criam verdadeiros pisos de despesas. Uma explicação plausível para esse fenômeno brasileiro é o fato de o orçamento no país ser apenas autorizativo, o que dá margem a contingenciamentos de gastos, como ocorre rotineiramente. 

O reverso dessa moeda é justamente a tentativa de estabelecer gastos compulsórios dentro do orçamento, deixando uma pequena parcela para as despesas discricionárias. A Constituição de 1988 reforçou esse aspecto e estabeleceu uma tendência de engessamento crescente do orçamento público no Brasil. É isso que explica boa parte da enorme dificuldade que a equipe econômica atual tem encontrado para administrar as contas públicas e gerar superávits primários no montante necessário para manter o país na condição de grau de investimento.