Cunha diz que Congresso fará análise política das ‘pedaladas fiscais’

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O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afirmou nesta quinta-feira (16), em um café da manhã com jornalistas, que a análise do Congresso Nacional das chamadas “pedaladas fiscais” do governo Dilma Rousseff será “política”, e não técnica, como defende o Palácio do Planalto.

O Tribunal de Contas da União (TCU) deve julgar em agosto se os atrasos de repasses do Tesouro Nacional a bancos públicos para pagamento de programas sociais, como o Bolsa Família, configuraram violação à Lei de Responsabilidade Fiscal. Em junho a corte de fiscalização adiou a votação do relatório prévio que analisa as contas do governo referentes a 2014, e deu prazo de 30 dias para que a presidente da República esclarecesse indícios de irregularidades encontradas pela fiscalização, entre elas as chamadas “pedaladas fiscais”.

nstituições como a Caixa Econômica e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) tiveram que desembolsar das próprias reservas dinheiro para custear os benefícios federais, numa espécie de “empréstimo” ao governo.

Cunha enfatizou aos repórteres que cobrem diariamente a Câmara dos Deputados que o parecer do TCU sobre as “pedaladas fiscais” será técnico, mas a decisão final sobre a aprovação ou não das contas do governo caberá ao Legislativo, que fará uma análise política.

“O TCU  dá parecer pela aprovação ou rejeição, e o Congresso rejeita ou não. O TCU pode dar parecer pela aprovação e o Congresso rejeitar, e vice-versa. Há um componente político na decisão final. A decisão final é política”, ressaltou o presidente da Câmara.

Cunha destacou ainda que vai dar celeridade à votação de pareceres do TCU de anos anteriores que ainda não foram analisados pelos congressistas.

“O que aconteceu é que a gente não vota conta de governo há muito tempo. Eu vou colocar as contas de governos anteriores para votar na primeira semana de agosto. O parecer do TCU deveria ser técnico, mas a decisão é política”, completou.

Na última segunda-feira (13), o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, reivindicou em uma entrevista coletiva no Palácio do Planalto que o julgamento das contas do governo Dilma seja “técnico”, e não “político”.

Impeachment
O peemedebista disse que a eventual rejeição das contas de 2014 do governo Dilma “pode ou não” embasar a abertura de processo de impeachment da presidente.

Ele ressalvou, entretanto, que o processo que tramita no TCU se refere às “pedaladas fiscais” do mandato anterior e, por isso, há dúvidas no Legislativo sobre se o mandato atual poderia ser questionado com base nas contas do ano passado.

A oposição tem defendido que se o TCU indicar que Dilma violou a Lei de Responsabilidade Fiscal haverá embasamento técnico para a abertura de processo de impeachment.

“O fato de as contas serem rejeitadas pelo Congresso pode ou não gerar sustentação pelo impeachment. Até porque estamos analisando contas de 2014. Acho que se as contas de 2015 tiverem esse tratamento, aí poderia gerar [impeachment]. Mas precisa ver o caso concreto”, argumentou o presidente da Câmara.

por integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL).

Os manifestantes protocolaram o pedido na Câmara após caminharem, ao longo de um mês, de São Paulo a Brasília. Na ocasião, ao chegarem à capital federal, os manifestantes receberam manifestações de apoio de parlamentares da oposição.

“Pretendo, nos próximos 30 dias, ter um posicionamento sobre isso [pedido de impeachment]. Não se analisa uma peça como essa com celeridade”, disse Cunha. 

Ele afirmou que, além do parecer da assessoria técnica da Casa, pediu uma análise a juristas de fora da Câmara. “Estou aguardando que chegue a análise jurídica para formar meu convencimento”, observou.

Impeachment exige ‘razões técnicas’, dizem juristas
Ex-presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF) ouvidos pelo G1 destacam que, para a instauração de processo de impeachment, é preciso haver “razões técnicas” que apontem crime de responsabilidade. Para eles, não há, por enquanto, elementos que justifiquem a abertura do procedimento.

Para o ministro aposentado Sepúlveda Pertence, é preciso aguardar o parecer do TCU sobre as “pedaladas fiscais” e a posterior decisão do Congresso Nacional sobre a aprovação ou rejeição das contas de governo.

“Só após o entendimento do tribunal e depois da decisão do Congresso Nacional é que se poderá cogitar da matéria [abertura de impeachment]. No mais, é apenas uma bandeira de natureza puramente da politica conjuntural, da crise política que estamos vivendo”, disse.

Segundo ele, a discussão sobre impeachment é “precipitada”. “Essa precipitação na  caracterização de um crime de responsabilidade, que reclama uma atividade dolosa [intencional] do presidente da República, é um pleito político, sem maior consistência técnica, pelo menos do que se coloca até agora.”

O ministro aposentado do STF Carlos Velloso também avalia que é preciso aguardar a decisão do TCU sobre as “pedaladas fiscais”, mas destaca que, se o tribunal apontar violações às leis orçamentária e de Responsabilidade Fiscal, isso poderá embasar a abertura de processo de impeachment.

“Essas pedaladas podem realmente ensejar crime de responsabilidade, e o crime de responsabilidade pode levar ao impeachment. Agora, é preciso a manifestação do Tribunal de Contas da União. Se o TCU entender que houve as pedaladas, aí as contas do Executivo talvez sejam recusadas. E essa recusa [pelo Congresso] pode levar ao impeachment”, afirmou.

“Mas é preciso aguardar a manifestação técnica do TCU. Na minha opinião, no momento não há motivo para o impeachment”, completou o ex-presidente do STF.

O ministro aposentado Carlos Ayres Britto avalia que, mesmo que as contas de Dilma sejam rejeitadas, não haverá nisso suporte para instaurar processo de impeachment.

Segundo ele, seria necessário que o crime de responsabilidade tivesse sido cometido durante o atual mandato para justificar o julgamento político. O TCU analisa irregularidades nas contas de 2014, quando a presidente ainda estava no primeiro mandato.

“Minha tese é de que abertura de processo de impeachment pressupõe mandato atual. Não do passado. Para efeito de crime de responsabilidade, os dois mandatos não se intercalam, se intervalam. Embora o cargo seja um só, são dois mandatos. O crime de responsabilidade para efeito de impeachment pressupõe ato cometido no mandato em curso”, disse.

Segundo ele, no momento, “não há fato específico que ela [Dilma Rousseff] tenha praticado no curso do mandato, para caracterizar o crime de responsabilidade.”

O doutor em Direito Constitucional Paulo Blair, professor da Universidade de Brasília, diz que o Congresso precisa aguardar o parecer do TCU para ter embasamento para a abertura de impeachment. Ele destaca, no entanto, que o julgamento é político e que a lei que trata de impeachment pode dar margem para interpretação.

“O sistema constitucional no julgamento do presidente da República é uma estrutura de apreciação eminentemente política. Agora, mesmo que o julgamento seja político, não posso tirar um argumento que paira no ar sem que haja indicativo de sua consistência. A Câmara não vai conseguir materializar esse julgamento, por isso está aguardando a posição do Tribunal de Contas da União”, disse

Balanço parcial da gestão
Ao avaliar seus primeiros meses à frente da Câmara, o presidente Eduardo Cunha destacou que, na opinião dele, seu principal acerto foi ter garantido a independência do Legislativo em relação ao Executivo.

“O principal acerto meu é cumprir o que me comprometi, que a Casa ia ter postura de independência e votaria matérias que a sociedade pede.”

Nesta sexta-feira, Cunha fará um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão para apresentar à sociedade um balanço dos trabalhos como presidente da Câmara. Indagado por repórteres sobre se tinha receio de se tornar alvo de um “panelaço” durante o pronunciamento, o peemedebista disse, em tom irônico, que, se houver, será de petistas, que atualmente, destacou ele, estão em número bem menor.

“Se tiver panelaço, eu vou ficar muito feliz, porque vai ser do PT, vai ser ‘petezaço’, será um número muito menor. A única coisa que vai fazer é dar destaque para o meu pronunciamento”, ironizou.