A emergência da reforma da máquina pública
Demorou 15 anos, de 1980 a 1995, para o governo brasileiro aplicar o modelo europeu da Nova Administração Pública (NAP), que segue rigorosamente os alicerces da economia neoclássica de competição gerencial e eficiência. A reforma gerencial a partir do NAP foi adota pelo governo federal e seguida pelos estados e municípios por meio do Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização.
A aplicação do modelo NAP no Brasil gerou, segundo estudiosos renomados na área de administração pública, corrupção e concentração de conhecimento no alto escalão.
Como ocorreu no passado, estamos levando muito tempo para adotar os princípios do modelo que surgiu para substituir o NAP, o Novo Serviço Público (NSP): coprodução de políticas públicas, efetividade, pensamento estratégico e ação democrática, liderança e governança compartilhadas, foco no cidadão-colaborador, supremacia do interesse público, foco em servir em vez de dirigir, valor às pessoas e não apenas à produtividade e economicidade.
É inaceitável que, em pleno século 21, a burocracia, a síndrome da estabilidade, a falta de líderes transformacionais, a cultura de curto prazo, a legislação antiga, o excesso de longas reuniões sem resultados, a política de recompensas manipuladora, a falta de incentivos para compartilhar conhecimento, a má alocação de servidores e o equivocado processo de seleção e formação estejam ainda presentes no setor público.
A grande maioria dos servidores públicos são despreparados para criar e aplicar conhecimento relevante, especialmente em momentos de complexidade. A seleção dos servidores é feita por testes de memória e a formação continuada é baseada em cursos de curta duração que desenvolvem habilidades técnicas e repetitivas, criando gerentes em vez de líderes.
O gerente é o “homem econômico e eficiente” que evita gastos, conflitos, riscos e inovações, isto é, que mata a mudança. O líder é o “homem humanizado e efetivo” com atingimento de objetivos em ambientes colaborativos e com senso de propósito, autonomia, domínio, iniciativa, missão e visão de mundo em vez de foco extremo e exclusivo em procedimentos e normas.
O processo de reforma da administração pública deve englobar novos programas e políticas de seleção, recrutamento, formação, aprendizagem, promoção, além do aumento da competitividade do setor público. O alicerce dessa reforma é a governança compatilhada a partir da criação de uma cultura de compartilhamento de conhecimentos e soluções com a sociedade, com o setor privado, com o terceiro setor, com a academia, com os organismos internacionais e, principalmente, entre os servidores e órgãos públicos envolvidos nas políticas públicas.
A governança compartilhada é o grande desafio que se coloca na prática, a fim de obter maior legitimidade e efetividade das políticas públicas. Governar com a sociedade, ao invés de governar a sociedade, faz com que o próprio beneficiário possa contribuir no desenvolvimento da estratégia, planejamento e gestão dos diversos programas e projetos, melhorando a qualidade do gasto e da ação pública. A participação do cidadão e o estabelecimento de parcerias ajudam, e muito, na transformação da cultura da desconfiança e do curto prazo em uma cultura de colaboração e de longo prazo.
Para evitar a descontinuidade dos bons projetos, é preciso institucionalizar a prática do planejamento que transcenda os mandatos, ancorando os projetos que representam as expectativas da sociedade na própria sociedade.
A mudança cultural e estrutural no setor público — da eficiência para a efetividade, do curto prazo para o longo prazo, da visão unitária de Estado para a visão de governança colaborativa, do foco na política de cargos para a liderança compartilhada, do gerencialismo neoliberal para a liderança neosocial — é a base para um governo inteligente.
* Cristiano de Angelis é Ph.D., é pesquisador da Skema Business School, França, e analista do Ministério do Planejamento